O fogo eterno queima mesmo
(link só funciona para assinantes ou para quem comprou a revista em questão. Quem me passou o texto foi o Wagner Moura)
Segundo o Reinaldo Azevedo, o texto é do Jerônimo Teixeira. Temo que o repórter tenha comprado a balela do El País (endossada pelo Terra) que indicava "contradições" entre os discursos de Bento XVI e João Paulo II sobre o inferno. A Veja não chega a colocar as coisas nesses termos, mas uma passagenzinha me chamou a atenção:
O papa anterior, João Paulo II, amainou um tanto a noção de inferno, definindo-o como um lugar em que Deus está ausente.Poliana diria: "pelo menos a Veja afirmou que, segundo João Paulo II, o inferno ainda é um lugar." Sim, Poliana, é verdade, podia mesmo ter sido pior. Mas aqui temos duas coisas a observar:
1. João Paulo II não amainou coisíssima nenhuma! Minha impressão é de que o repórter não chegou a medir a dimensão do que é passar a eternidade na ausência de Deus. Admito que talvez os castigos no estilo Bosch (já "citado" neste blog) ou Dante chamem mais a atenção e pareçam ser, digamos, a "essência" do inferno.
(O sexto círculo do inferno dantesco, onde estão os hereges, na visão de Gustav Dore; tem mais aqui)
Acontece que, realmente, o que caracteriza o inferno é justamente a ausência de Deus, ou o que se chama de "pena de dano". O Catecismo aprovado por João Paulo II (o Papa que, segundo a reportagem, deu uma amaciada no inferno) fala do assunto nos pontos 1033 a 1037. No 1035 diz claramente que o principal castigo do inferno é a ausência de Deus - e isso é muito pior que passar a eternidade sendo grelhado ou recebendo aqueles castigos meio escatológicos (nos dois sentidos, talvez?) dos quadros do Bosch. Além do mais, o Catecismo ainda menciona, no mesmo ponto 1035, o "fogo eterno", com uma nota de rodapé que remete a vários pontos do Denzinger que ressaltam o lance das penas. Como eu tenho o Denzinger em casa, fui conferir:
(tem outros, mas esses são os que falam das punições que chamamos "pena de sentido")
Quer dizer, o "Papa que suavizou o inferno" aprovou um Catecismo que fala dos suplícios e ainda cita ensinamentos anteriores que confirmam o fato? Esquisito, não é?
2. Agora que já definimos "pena de dano" e "pena de sentido", não me parece que Bento XVI tenha afirmado que essa é mais importante que aquela. O que o Papa atual disse foi que o inferno existe, e isso não se pode perder de vista. Mas não colocou a ênfase nos tormentos como mais importantes que o fato de o condenado ficar eternamente longe de Deus.
De qualquer maneira, considerando que tanto João Paulo II quanto Bento XVI não varreram pra debaixo do tapete a existência real do inferno, a conclusão que se tira é de que o seguinte trecho da reportagem:
Entre os fiéis das igrejas tradicionais, as retribuições da vida eterna se tornaram um tanto abstratas, um recurso didático para incutir princípios morais nas crianças. É como se as igrejas mais antigas houvessem se secularizado, relegando idéias que antes inspiravam temor (o inferno) e esperança (o céu) para o plano das figuras de linguagem.pode até se aplicar a outras denominações, mas certamente não à Igreja Católica, que sempre reafirmou a existência do inferno, com tudo que lhe é de direito. A Igreja nunca tratou o inferno como "figura de linguagem". Talvez alguns padres prefiram pensar assim, e passem adiante seu ponto de vista (eu ouvi pelo menos um caso desses). Quanto a eles, eu só espero que não acabem recebendo o desmentido do pior jeito...
2 comentários:
Marcio, o que é pior: não acreditar no inferno ou acreditar que ele está vazio? O Padre Quevedo disse no programa da Luciana Gimenez que todos vão se salvar. Acompanhe:
http://www.youtube.com/watch?v=pnYgN8WwqcI
Padre Quevedo pelo visto esqueceu que é sacerdote faz um tempão...
Não chega a ser um "padre de passeata", como diria Nélson Rodrigues, mas é "padre de talk show". ISSO talvez seja muito pior.
Como seria o círculo do inferno para os profissionais de mídia, Marcinho?
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