sexta-feira, 27 de junho de 2008

A volta dos cátaros

Já houve um punhadinho de heresias ao longo dos séculos que pregavam uma Igreja apenas para os puros. O pecador aí não tinha lugar. Claro, seria um fracasso de público estonteante, pois provavelmente só a Virgem Maria (e, acho, São João Batista) teria lugar ali.

Cátaros sendo expulsos de Carcassone

Mas vejam só, a Veja Online acha que o Papa quer relançar a campanha para que só os puros tenham acesso pleno à Igreja:

Papa diz que só 'puros' devem receber a comunhão
Vejam um trechinho da reportagem:

Segundo ele, somente os "puros" e os que não estejam manchados pelo pecado podem receber a comunhão.
Pois bem, a notícia é do dia 23 - só estou comentando agora porque demorou um pouco para o Vaticano colocar a homilia na internet. Ela foi pronunciada via satélite, no encerramento do Congresso Eucarístico Internacional em Quebec, no Canadá (aliás, uma cidade muito simpática, recomendo a visita).

Acontece que o Papa não disse isso. O que ele disse é diferente:

This is why we must do everything in our power to receive him with a pure heart
(o Vaticano ainda não tem a homilia em português)

Ou seja, que nós devemos nos esforçar o máximo para receber a Eucaristia "com um coração puro". O pecado que nos impede de comungar é apenas o pecado grave, ou mortal. O pecado venial, como o Papa diz, realmente atrapalha a ação da Graça em nós, mas não é um impedimento para a comunhão.

O problema é alguém ler o texto da Veja Online e passar a ter crises de escrúpulos...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Como diria o Huck: qué, qué, qué, qué, quééééééééééé...

Uma vez me contaram que a Arquidiocese do Rio não deixa a Globo gravar novela dentro de suas igrejas. Se for verdade, é muito bem feito, porque afinal as novelas globais têm criado um padrão de comportamento lastimável na população brasileira.

Pois bem, o Ron Howard queria gravar dentro de igrejas romanas cenas do próximo filme baseado em livros do Dan Brown. Claro, ele acha que O Código Da Vinci não foi agressão suficiente. Só que levou um não na cara:

Vaticano impede filmagem de "Anjos e Demônios"


Só que, como é um texto da EFE, sempre tem de haver alguma imprecisão.
O Vicariato de Roma negou as permissões para que o diretor americano Ron Howard grave nas igrejas de Roma cenas do filme "Anjos e Demônios", adaptação do livro de mesmo título de Dan Brown que tem como protagonista o ator Tom Hanks.
Pois é: Vicariato de Roma é uma coisa; Vaticano é outra. A decisão foi interna, da diocese. Se bem que o bispo de Roma deve ter achado é muito bom...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Tem gente que acha um jeito de colocar a Igreja em tudo

Assim como o Orlando Fedeli, que vê em tudo um pretexto para criticar o Concílio Vaticano II, o El País parece usar de todas as oportunidades para jogar uns dardinhos na Igreja.

Pois bem, em um texto* sobre um bafafá que deu na França laicista e anti-religiosa sobre um divórcio civil concedido porque a noiva enganou o noivo (ambos muçulmanos) sobre sua virgindade, o repórter ainda me saiu com essa no fim:
Para o judaísmo as relações íntimas antes do casamento estão proibidas pela halakha (lei judaica) porque o sexo não pode ter outro objetivo além da procriação. O catolicismo não é mais aberto e critica inclusive a "castidade conjugal". O islamismo também exige a "pureza" mas admite o arrependimento quanto aos "deslizes" anteriores ao casamento, se houver a intenção de uma reparação. O integrismo força a interpretação das coisas.
Peraí. "Critica a castidade conjugal"? Engraçado que o repórter não explicou o que seria a "castidade conjugal", e nem quando foi feita a sua "crítica". Eu imagino que seja porque o repórter não faz a menor idéia do que está falando -- afinal, lembrem-se, ele é do El País.

Aí eu me lembro de quando o Papa esteve aqui e falou, acho que no Pacaembu, da castidade "dentro do casamento" -- incentivando, não criticando -- e todo mundo entendeu errado. Quer dizer, todo mundo menos os católicos de verdade, que entenderam exatamente o que o Papa queria dizer...

* Não deixei o link porque parece que está restrito a assinantes do UOL. Eu recebi essa pérola por e-mail.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A culpa sempre é do Concílio Vaticano II

Ícone da Comunhão dos Apóstolos, igreja de São Nicolau, em Curtea de Arges (Romênia), c. 1350. Antes que alguém pergunte "viu? Jesus não colocava a hóstia na boca deles", eu respondo que, como bispos, os Apóstolos podiam, sim, pegar o Santíssimo Sacramento com as mãos.

Saiu no Diário de Natal, que por sua vez cita o Correio Braziliense:
Bento XVI restaura a comunhão de joelhos

Diante de 70 mil pessoas, o papa Bento XVI fez história domingo durante a celebração de uma missa em Brindisi, cidade situada na região sudoeste da Itália. No momento da comunhão, o pontífice restaurou o costume de entregar a hóstia consagrada aos fiéis ajoelhados. Apenas os diáconos puderam comungar de pé, diante do líder da Igreja. O gesto, de forte apelo simbólico, resgatou uma tradição abandonada havia 43 anos, quando a reforma litúrgica definida pelo Concílio Vaticano II determinou que os peregrinos receberiam a hóstia de pé e nas mãos. A partir de agora, todos os católicos escolhidos pela Santa Sé para a comunhão com o papa terão de se ajoelhar diante de um reclinatório e receber a eucaristia diretamente na boca.

Bento XVI já havia feito o mesmo na missa de 22 de maio, celebrada na Igreja de São João Latrão, em Roma. Como o número de fiéis presentes era menor, a atitude teve pouca ou quase nenhuma repercussão. "Nós, os cristãos, nos ajoelhamos diante do Santíssimo Sacramento (a hóstia) porque, nele, sabemos e acreditamos estar na presença do único e verdadeiro Deus", afirmou o papa, naquela ocasião. "Estou convencido da urgência de dar novamente a hóstia diretamente na boca aos fiéis, sem que a toquem, e de voltar à genuflexão no momento da comunhão como sinal de respeito", acrescentou.

A assessoria de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou ao Correio que ainda não recebeu qualquer comunicado do Vaticano sobre a inclusão dos 125 milhões de brasileiros católicos na mudança litúrgica. "Resta saber se essa é uma norma ou uma orientação do Santo Padre", declarou a entidade. Ainda que a determinação valha apenas para fiéis que comungarem diretamente das mãos do pontífice, ela reforça a tendência de Bento XVI em recuperar partes mais tradicionalistas do ritual, que caíram em desuso com o tempo.

Em três anos de pontificado, o papa manteve-se fiel ao antigo cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: condenou o casamento homossexual e o aborto e exigiu que as pesquisas genéticas respeitem a vida. Mas a medida mais surpreendente até então foi o relançamento da missa em latim, com base no rito tridentino (em que o sacerdote fica de costas para os fiéis e faz a celebração no idioma milenar). Em vigor desde 14 de setembro, a norma foi bem recebida pela área mais conservadora da Igreja Católica. (Correio Braziliense)
Primeiro, que o Papa não restaurou coisa nenhuma. Até onde eu me lembro, e eu vi muuuuitas missas papais pela televisão, as pessoas também se ajoelhavam pra receber a comunhão das mãos de João Paulo II.

Segundo, que o Concílio Vaticano II não tem absolutamente nada a ver com comunhão nas mãos ou na boca, em pé ou de joelhos. Aquele pequeno trecho da reportagem concentra inúmeros erros:
  • absolutamente nenhum texto conciliar determina a comunhão em pé ou na mão;
  • o concílio terminou em 1965, e a reforma litúrgica é de 1969;
  • mesmo segundo o missal de Paulo VI, o modo padrão de receber a comunhão é na boca; só se pode dar a comunhão na mão em locais onde o Vaticano permitiu, depois de um pedido formal da conferência episcopal local.

    Ah, claro, o nome daquele negócio onde se ajoelha é genuflexório.

    E consultar a CNBB sobre o assunto pode parecer meio superficial (como quando o Jornal de Santa Catarina perguntou ao arcebispo de Florianópolis se ele podia fazer alguma coisa em relação à revolta de paroquianos na Vila Nova, diocese de Blumenau), mas revelou que até os bispos estão confusos. A comunhão de joelhos já é uma norma. Só que, no Brasil, existe a permissão para se comungar em pé.

    Por fim, sempre a confusão entre "missa em latim" e "missa tridentina". Eu acho que vou desistir de tentar convencer meus colegas que de no rito tridentino o padre celebra "de frente para Deus", e não "de costas para o povo". Por incrível que pareça, o redator da matéria acertou o mais difícil: a data em que a Summorum Pontificum entrou em vigor.

    Qual é realmente a novidade da matéria? A defesa explícita que o Papa fez da comunhão de joelhos e na boca. Isso sim deveria ter sido realçado, pois o fato de as pessoas receberem a comunhão do Papa ajoelhadas já chega a ser corriqueiro nas celebrações papais (e a própria matéria ressalta que o acontecimento de Brindisi não foi o primeiro).
  • quarta-feira, 11 de junho de 2008

    Mas até o jornal da diocese??

    Fiquei pensando um tempo sobre como eu começaria esse post. E então me veio uma analogia.

    Resumindo o assunto, digamos que a diocese de Blumenau está para os abusos litúrgicos como o PT está para a mentira, a corrupção e a ladroagem. Deus que me perdoe por isso, mas às vezes a coisa é tão absurda que eu acabo me distraindo do Santo Sacrifício, como naquela vez em que, depois da consagração, o padre substituiu o restante da Oração Eucarística por uma música de uma dupla sertaneja que estava lançando seu CD.

    Mas, bem, o assunto aqui é jornalismo. E a diocese de Blumenau tem um jornalzinho. Antes não tivesse, porque aí eu não teria o desgosto de ler tanta coisa ecumaníaca e notinhas como essa:


    Galileu no Vaticano

    Galileu Galilei, físico italiano condenado pela Santa Inquisição da Igreja Católica em 1633 por defender idéias heliocêntricas, e totalmente reabilitado no pontificado de João Paulo II, ganhará, em 2009, uma estátua nos jardins do Vaticano. A estátua, retratando o próprio Galileu, será colocada próxima à Casa de Pio IV, no alto da colina que aponta para a cúpula da Basílica de São Pedro. O projeto nasceu de uma idéia dos membros da Pontifícia Academia de Ciências para homenagear o físico italiano, no ano internacional da Astronomia, proclamado pela ONU para comemorar a primeira utilização de um telescópio por parte do mesmo Galileu. O físico descobriu que a Terra não era imóvel, mas mantinha um movimento de rotação. Com suas descobertas, Galileu contradisse dogmas sustentados pelos cientistas e pela Igreja de então. Condenado como herege, foi obrigado a negar suas teorias em 1633. Ao contrário de Giordano Bruno (1548-1600), queimado pela Inquisição 33 anos antes, por sustentar idéias semelhantes, Galileu sobreviveu.
    Convenhamos, o índice de erros por centímetro de coluna na notinha é alarmante.

  • O geocentrismo nunca foi dogma católico; Galileu questionou, sim, dogmas católicos, mas de outra ordem;

  • Galileu não "sobreviveu" -- o fato é que sua vida nunca esteve em risco. A escolha do verbo pelo redator dá a entender que a Inquisição era uma máquina assassina, e que cair em suas "garras" e não ser queimado seria um feito espetacular, tipo fugir de Alcatraz;

  • E, obviamente, a condenação de Galileu não teve nada a ver com heliocentrismo.

    Conclusão: se tanta asneira tivesse sido escrita pelo André Petry na Veja, eu não me surpreenderia (mas apareceria no blog do mesmo jeito). Mas em um jornal de diocese?

    Em tempo: eu já havia falado do processo de Galileu aqui.
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