sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Novidades à noite

Não vi ainda a matéria do Jornal Nacional sobre células-tronco embrionárias. Ontem, porque estava jogando futebol de botão; hoje, porque aqui onde estou não tem som no computador. Verei hoje à noite e comentarei - aliás, coloquei o link da matéria aqui justamente para que eu não esqueça...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Só falta trazerem de volta aquela babaquice da renúncia

Texto de anteontem da Folha Online sobre a visita do cardeal Bertone a Cuba:

Raúl Castro recebe secretário de Estado do Vaticano em Havana

Um erro recorrente e uma curiosidade:
É a terceira visita de Bertone a Cuba - o religioso esteve na ilha em 2001, quando era secretário da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (Santo Ofício), e em 2005, como cardeal arcebispo de Gênova.
De novo essa mania de chamar a Congregação para a Doutrina da Fé de "Santo Ofício". Tratei do assunto aqui.

E a nova:
Bertone celebrou missas na Praça da Catedral de Havana, onde pediu um maior espaço para que a igreja cubana possa ampliar sua missão, e na cidade de Santa Clara (centro), onde inaugurou o primeiro monumento público a João Paulo 2º na ilha.
O religioso lembrou das mensagens do ex-papa e disse que "a família, a escola e a Igreja devem formar uma comunidade educativa onde os filhos de Cuba possam crescer em humanidade".
Bom, só é "ex-alguma coisa" quem ainda está vivo e deixou de ser algo. FHC é ex-presidente, mas Mario Covas não é mais "ex-governador". João Paulo II não é e nunca foi "ex-papa", inclusive porque ele foi Papa até morrer.

Só faltavam ressuscitar aquela interpretação idiota do "testamento espiritual" do Papa segundo a qual ele teria pensado em renunciar. Lembram disso? Assim que o Papa morreu, foi divulgado um longo texto contendo suas reflexões. Um trecho dizia:
Foi-me dado viver o difícil século que está se tornando parte do passado, e agora, no ano em que minha vida chega aos oitenta anos (“octogésima advienens”), é preciso que eu me pergunte se não é hora de seguir o exemplo de Simeão, na Bíblia, "Nunc dimittis"
Pois bem, a mídia toda resolveu publicar que o Papa tinha pensado em renunciar depois do Jubileu. Isso é coisa de quem não conhece o Evangelho - em São Lucas narra-se o que Simeão disse ao ver o Menino Jesus: disse que podia morrer em paz, pois seus olhos tinham visto o Messias. Teve gente que até se saiu com análises de latim para forçar a barra na versão da renúncia.

Faça-se justiça: a Gazeta do Povo deve ter sido o único jornal brasileiro que não embarcou nessa onde. Justamente porque na cobertura da morte do Papa tinha gente que conhecia a passagem de São Lucas. Viram como realmente faz falta ter na redação quem conheça o catolicismo?

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Estava demorando, não estava?


(Fico me perguntando o que esse cara diria se soubesse o que falam dele na imprensa atualmente)

Não comentei ontem por falta de tempo, mas claro que vi a matéria do Jornal Nacional sobre a exposição da Inquisição, já mencionada nesse blog. E lá vai a Ilze Scamparini dizer que o Galileu foi condenado, "entre outras coisas", por afirmar que a Terra girava em torno do Sol, "ao contrário do que a Igreja pregava". Bom, se foi realmente assim, me pergunto por que não sobrou também para um religioso chamado Nicolau Copérnico, que foi quem começou pra valer com essa coisa de que a Terra não era o centro do universo.

Quer saber o que realmente aconteceu com Galileu? Dispa-se do preconceito anti-Inquisição (se você tiver algum) e clique aqui para ler um ótimo (e comprido, então reserve um tempo) artigo sobre o assunto.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Chamando Jesus de Gen... quer dizer, João

Quem viu a Gazeta do Povo de ontem ficou sem entender a foto maior da página 6. Na foto, uma pessoa coloca sua mão sobre a mão de uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Mas a legenda diz
Diante da imagem de São João Batista, o mato-grossense Paulo agradece a chance de poder tentar recuperar a visão.
(assinantes podem ver aqui)

Pelo menos nesse caso tem explicação, conta o Mauri, que fez a reportagem e trabalha na mesa ao lado da minha: outras pessoas tinham sido fotografadas diante de uma imagem de São João Batista, e era uma dessas fotos que seria publicada, a legenda inclusive já estava pronta. Só que, na última hora, resolveram colocar outra foto, a do Paulo (e eu particularmente achei uma boa escolha), mas na hora de mudar a legenda trocaram o nome da pessoa fotografada e deixaram o do santo...

OK, distrações como essas acontecem, mas que a página passou por pelo menos três pessoas sem ninguém perceber o erro, passou...

Comequié?

Vejam na descrição aí do lado. Eu dizia que os veículos de comunicação católicos têm a obrigação de noticiar corretamente as coisas da Igreja. Quer dizer, na verdade, todos os veículos de comunicação têm essa obrigação, mas os católicos têm a vantagem de conhecer muito bem o assunto sobre o qual falam.

Quer dizer, era o que eu achava até ler o seguinte na Agência Ecclesia, de Portugal, e no site da Rádio Vaticana:

Aberta exposição inédita sobre a Inquisição

Aberta em Roma exposição inédita sobre Inquisição

(São Domingos presidindo um auto-de-fé, de Pedro Berruguete)

Os dois textos são parecidíssimos. E os dois trazem uma coisa que me chamou muito a atenção na listagem dos objetos expostos:
missal de um santo do século XVII que acreditava ser a reencarnação de Cristo
Fiquei curiosíssimo para saber quem é o indivíduo que alcançou os altares apesar de não apenas crer em reencarnação (preciso explicar que a Igreja condena a reencarnação?), mas também acreditar que ele próprio era a reencarnação de ninguém menos que o próprio Cristo!

E que história é essa de "temido tribunal eclesiástico"? Será que eu preciso recomendar até ao povo da Rádio Vaticana que leia A Inquisição em Seu Mundo, do João Bernardino Gonzaga, para que eles descubram que o direito penal secular da época da Inquisição era muito mais cruel que o direito penal canônico?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Rejuvenesceram o Papa

Engraçado o Estadão não ter dado uma linha sobre a chegada do cardeal Bertone a Cuba (ou então fui eu que deixei escapar, mas lembro de ter folheado todas as páginas de Internacional). A Folha deu, e a Gazeta do Povo também (não vi os outros). Só achei um erro esquisito: na hora de se referir a João Paulo II, colocaram "(1934-2005)". Como o erro estava nos dois jornais, certamente veio de agência e passou reto pelas revisões. Na verdade, João Paulo II nasceu em 1920. Teremos erratas?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Quando interessa, qualquer porcaria vira "oficial"

Voltamos àquela reunião do Partido Comun... quer dizer, Encontro Nacional de Presbíteros. Ontem foi a questão do celibato, agora o negócio é uma beatificação. Direto do Recife:

Dom Helder pode ser beatificado

Que beleza. Aqui no jornal onde trabalho um título desses seria execrado. Afinal de contas, não diz absolutamente nada. Dom Helder pode ser beatificado, mas pode não ser. Hoje pode chover, ou pode continuar fazendo esse calor insuportável. A Bovespa pode subir, ou pode cair, ou pode ficar estável. O São José pode subir para a série A1 do Paulistão, pode ficar na A2 ou, toc-toc-toc, pode cair para a A3.

E o pior é que é matéria de internet, onde os editores não estão presos àquela coisa de "ah, tem que ser 3 colunas de 12 toques". Por que não "Padres pedirão beatificação de dom Helder"?

Mas, bem, vamos a trechos do texto:
Pela primeira vez, um documento da Igreja Católica pede a beatificação de dom Helder Camara, ex-arcebispo de Olinda e Recife. A reivindicação consta no documento final do Encontro Nacional de Presbíteros, divulgado na última terça-feira, em Indaiatuba, município do estado de São Paulo, e deverá ser encaminhada à Congregação para a Causa dos Santos, no Vaticano.
Primeiro, que aquela carta comunistóide, e mesmo o documento que prometem divulgar mais pra frente, não são "da Igreja Católica". Se nem a CNBB pertence à estrutura hierárquica da Igreja, imagine o Partido Comun... quer dizer, Conselho Nacional de Presbíteros. O que sai de lá é simplesmente coisa deles, não deve ser atribuído à Igreja. "Documento da Igreja Católica" sai da caneta do Papa, ou da Cúria Romana. No máximo algum documento da CNBB ou de algum bispo que esteja em conformidade com o ensinamento da Igreja (é, vocês entenderam, análise de conjuntura não vale) ou que esteja dentro das atribuições do bispo, previstas no Código de Direito Canônico. Mas, claro, como o documento pede um negócio altamente popular (a beatificação de um bispo, digamos, alinhado com o que os padres do ENP pensam), o Pernambuco.com embarca no oba-oba e já promove o Partido Comun... quer dizer, Conselho Nacional de Presbíteros a instância oficial da Igreja Católica. Felizmente, estão muito enganados.

Além do mais, os padres estão gastando saliva e tinta de impressora à toa. Afinal, como a própria matéria mostra, mais lá pra baixo:
Bispo de Palmares, dom Genival lembrou que o processo de beatificação começa na diocese
Ou seja, ninguém precisa pedir nada ao Vaticano, até porque lá na Congregação para as Causas dos Santos é capaz de responderem "voltem aqui quando acabar a fase diocesana do processo". Afinal, abrir um processo de beatificação é mais fácil do que parece. Não depende do Vaticano, depende só do ordinário da diocese onde viveu o candidato à santidade.

Aí que mora a ironia: o ordinário é o excelente dom José Cardoso Sobrinho, que está tendo um trabalho hercúleo para reconstruir tudo o que dom Helder destruiu enquanto foi arcebispo de Olinda e Recife. Meu palpite? Dom José pode até topar abrir o processo, mas haverá uma noite fria no inferno (sempre ele) antes que o cardeal Saraiva Martins (ou seu sucessor na Congregação para as Causas dos Santos) coloque dom Helder Câmara na lista dos bem-aventurados.

(Sinceramente, vocês achavam mesmo que eu ia colocar uma foto de dom Helder? Nem morto! Em vez disso, fiquem com o cardeal Saraiva Martins, quando veio a Belo Horizonte para a beatificação do padre Eustáquio. Fonte: http://www.patrocinio.mg.gov.br/ant6.htm - foto de Marco Aurélio Caldeira)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Não são apenas os jornalistas que não sabem o que escrevem...

... os padres também. Pelo menos os padres que aprovaram aquela carta asquerosa ao fim do tal Encontro Nacional de Presbíteros. Se você tem estômago, leia aqui o documento. Reparem que não aparecem as palavras "missa", "eucaristia" e "sacramentos" em nenhum momento. Em vez disso, os padres ficam fazendo pregação comunista e defendendo bispos suicidas como dom Cappio. Quando a carta fala de "Igreja", é para denunciar "estruturas ultrapassadas" (leia-se "a tirania de Roma") e pedir uma "Igreja" que faça a revolução socialista, em vez de levar Deus ao povo. A carta é realmente um lixo. Para esses padres de passeata, fica o aviso das parábolas: a quem mais se deu, mais será cobrado.


(Já que estamos repetidamente falando do inferno, mais uma gravura pra vocês, agora de William Blake: é o lago (ou rio) Cocito, o nono círculo do inferno dantesco, onde ficam congelados os traidores. Deu pra entender a mensagem?)

O Estado de S. Paulo deu matéria sobre o assunto. José Maria Mayrink tem mais anos de cobertura da Igreja do que eu tenho de vida. Eu o entrevistei para meu TCC quando ele ainda trabalhava no Jornal do Brasil. Agora está no Estadão.

Padres sugerem o fim do celibato

Matéria corretíssima; inclusive Mayrink já antecipa que essa babaquice de pedir a Roma que mude várias coisas não vai dar em nada, porque tanto o Papa quanto dom Claudio já afirmaram que a Igreja não vai alterar coisa nenhuma.

O único deslize é ter chamado os bispos de uma certa região (quando se escolhe um novo bispo, consulta-se os bispos das dioceses vizinhas) de "titulares", quando o termo correto é "ordinários". Então vai uma breve explicação:

Teoricamente, todo bispo precisa estar à frente de uma diocese (exceto os aposentados, ou "eméritos"). Mas, na prática, nem todo bispo apita desse jeito: há, por exemplo, bispos auxiliares; ou bispos que exercem cargos dentro da administração da Igreja. Então a Igreja dá a esses bispos o título (daí o termo "titulares") de uma diocese que já existiu em priscas eras, mas que não existe hoje, por razões quaisquer.

Por exemplo, o núncio apostólico no Brasil, dom Lorenzo Baldisseri, é arcebispo titular de Diocleciana; já o administrador apostólico da Administração Apostólica São João Maria Vianney, dom Fernando Rifan, é bispo titular de Cedamusa. Um site legal para se fazer esse tipo de pesquisa é o Catholic Hierarchy. Lá, por exemplo, descobriremos que Diocleciana fica mais ou menos onde hoje é Skopje, a capital da Macedônia; e Cedamusa fica em algum ponto da Mauritânia, na África. Pronto, sua cota de cultura inútil do dia foi preenchida.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Esqueçam CSI ou Cold Case, o negócio é a autópsia de Jesus

Prometi e vou entregar. A IstoÉ dessa semana traz na capa um Cristo crucificado e anuncia em letras garrafais a, hm, "autópsia" de Jesus. Claro que é uma figura de linguagem (pelo menos assim espero), porque até onde eu sei o corpo de Jesus está glorioso no céu (exceto para os charlatães daquele archeo-porn* chamado O Sepulcro Esquecido de Jesus)

Em resumo, a reportagem tem como pretexto o lançamento, no Brasil, do livro de um legista americano chamado Frederick Zugibe, sobre a causa da morte de Jesus - claro, ele morreu crucificado, mas como morre uma pessoa crucificada, do ponto de vista médico? Então, a reportagem está aqui:

Como morreu Jesus

Li tudo e não vi nada ali que desabonasse a pesquisa do legista, parece uma coisa super bem feita, com critérios bem científicos. Mas a repórter, Natália Rangel, resolveu dar uma exagerada na coisa. Ela começa o texto assim:

De duas, uma: sempre que a ciência se dispõe a estudar as circunstâncias da morte de Jesus Cristo, ou os pesquisadores enveredam pelo ateísmo e repetem conclusões preconcebidas ou se baseiam exclusivamente nos fundamentos teóricos dos textos bíblicos e não chegam a resultados práticos.
Bom, custava dar um exemplo desses dois extremos? E o pior é que a afirmação dramática da repórter sequer é verdadeira. Afinal, algumas décadas atrás Pierre Barbet já tinha feito uma análise da morte de Jesus no seu A Paixão Segundo o Cirurgião. Barbet será citado na reportagem, lá no finzinho, quando a repórter nos contar que suas conclusões serão refutadas por Zugibe, mas isso não invalida o fato de que, antes do americano, alguém foi lá e se dispôs a fazer uma pesquisa dessas.

A segunda forçada de barra vem logo depois:

Nunca faltaram, através dos séculos, hipóteses sobre a causa clínica de sua morte. Jesus morreu antes de ser suspenso na cruz? Morreu no momento em que lhe cravaram uma lança no coração? Morreu de infarto?

Bom, tirando essa última pergunta, para responder as outras duas não é preciso ser médico; na verdade, não é necessário nem ser alfabetizado. Qualquer analfabeto com bom senso que for à missa do Domingo de Ramos, ou ao ofício da Sexta-Feira Santa, vai ouvir o relato da Paixão e comprovar que, pregado na cruz, Jesus conversa com as pessoas. Gente morta não conversa, então Cristo só pode estar vivo. E, se o relato for de São João, ainda vai ouvir

(Jo 19)
33 Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas,
34 mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água.
Ou seja, quando deram o golpe de lança, Jesus já estava morto.

Bom, na seqüência a reportagem vai descrevendo vários detalhes da morte de Jesus. Alguns sinceramente me deixaram com vontade de dizer "tá, agora conte algo que eu ainda não saiba", pois dados como o fato de Jesus ter carregado apenas a parte horizontal da cruz e ter sido pregado pelos pulsos, e não na palma das mãos, já são conhecidos por muita, mas muita gente. Mas quem sabe isso seja implicância minha - tem quem ainda não saiba.

Fora isso, só me resta comentar o box mostrando as "incoerências" do filme do Mel Gibson. Isso não é invenção da repórter tentando colocar o médico contra o ator/diretor, pois, segundo o texto, o próprio Zugibe critica Gibson. Mas algumas das tais "incoerências" têm resposta.

  • No caso de Jesus carregar a cruz inteira e ser pregado pelos pulsos (no filme), o próprio Gibson já havia dito, na época da estréia, que ele sabia muito bem que não tinha sido assim, mas havia preferido colocar no filme o que a iconografia cristã costumava representar.
  • No caso da pancada no olho, fiquei curioso para saber como o médico comprova que Jesus não levou esse golpe mostrado no filme. Verdade que não está no Evangelho, mas todo mundo sabe que a Bíblia não foi a única fonte de Mel Gibson para montar o filme.
  • Quanto ao "descanso para os pés" de Jesus, que aparece no filme, diz a reportagem que, segundo Zugibe, é uma invenção de artistas do século passado. Sei. Olhem a infografia da página 81. Tem descanso para pés. E a pintura é um afresco de Fra Angelico (que certamente não viveu no século passado, nem no retrasado). Vejam agora esse Cristo na Cruz de Diego Velázquez:



    Tem descanso para pés. E Velázquez também não é um pintor contemporâneo.

    Voltando ainda mais no tempo, uma crucifixão retratada por Giotto:



    Olha só o descanso para pés de novo. E Giotto é ainda mais antigo que Fra Angelico.

    E, a parte religiosa da matéria até que não estava mal. O problema é que eu também conheço um bocadinho de arte...

    * "archeo-porn" foi a expressão usada por um arqueólogo para descrever o documentário do Simcha Jacobovici. O arqueólogo disse isso na cara do cineasta num debate promovido pelo próprio Discovery Channel, exibido logo após uma sessão do documentário. O cara simplesmente detonou várias das premissas do trabalho, e o Jacobovici olhando com cara de mané, sem saber o que responder. Foi um momento impagável.
  • Hoje à noite tem mais

    Antes que me perguntem: já estou com uma cópia da matéria de capa da IstoÉ dessa semana. Daqui a algumas horas faço uma avaliação.

    O Jesus histórico fazendo estrago

    Folheando a edição de sábado (16/2) do Jornal da Tarde, descobri a seguinte notinha com foto:
    Dinamarca
    Madrugada de violência

    Copenhague e outras cidades foram alvo, na madrugada de ontem, de vários ataques incendiários que a polícia atribuiu a jovens que protestavam violentamente contra a publicação de charges de Maomé (profeta dos muçulmanos equivalente a Jesus, para os cristãos) (...)
    Mas o que é isso? Maomé equivalente a Jesus? Nessa o redator internacional do JT pisou na bola feio. Tudo bem que, ultimamente, algumas correntes tresloucadas adeptas dessa palhaçada de "Jesus histórico" têm tentado a todo custo negar a divindade de Jesus, mas pergunte a qualquer cristão bem formado e a qualquer muçulmano bem formado se Jesus e Maomé são "equivalentes". Não são. Para os cristãos, Jesus é o próprio Deus feito homem, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Para os muçulmanos, Maomé é o maior de todos os profetas, mas não é Deus encarnado. Simples assim.

    Se estamos precisando dar esse tipo de explicação básica no blog, é porque a situação está feia mesmo.

    domingo, 17 de fevereiro de 2008

    E o inferno chegou à Veja; ou vice-versa, sei lá

    Quem me conhece bem sabe que eu sou leitor diário do blog do Reinaldo Azevedo, da Veja; e que gosto do Diogo Mainardi quando ele bate no Lula e no PT (mas não quando fala de religião); e que eu acho o André Petry um anti-católico de carteirinha. Mas hoje não vou comentar artigos de nenhum desses três, e sim uma reportagem publicada na edição que está nas bancas, datada de, vá lá, quarta-feira que vem. Adivinhem o tema?

    O fogo eterno queima mesmo
    (link só funciona para assinantes ou para quem comprou a revista em questão. Quem me passou o texto foi o Wagner Moura)

    Segundo o Reinaldo Azevedo, o texto é do Jerônimo Teixeira. Temo que o repórter tenha comprado a balela do El País (endossada pelo Terra) que indicava "contradições" entre os discursos de Bento XVI e João Paulo II sobre o inferno. A Veja não chega a colocar as coisas nesses termos, mas uma passagenzinha me chamou a atenção:

    O papa anterior, João Paulo II, amainou um tanto a noção de inferno, definindo-o como um lugar em que Deus está ausente.
    Poliana diria: "pelo menos a Veja afirmou que, segundo João Paulo II, o inferno ainda é um lugar." Sim, Poliana, é verdade, podia mesmo ter sido pior. Mas aqui temos duas coisas a observar:

    1. João Paulo II não amainou coisíssima nenhuma! Minha impressão é de que o repórter não chegou a medir a dimensão do que é passar a eternidade na ausência de Deus. Admito que talvez os castigos no estilo Bosch (já "citado" neste blog) ou Dante chamem mais a atenção e pareçam ser, digamos, a "essência" do inferno.

    (O sexto círculo do inferno dantesco, onde estão os hereges, na visão de Gustav Dore; tem mais aqui)

    Acontece que, realmente, o que caracteriza o inferno é justamente a ausência de Deus, ou o que se chama de "pena de dano". O Catecismo aprovado por João Paulo II (o Papa que, segundo a reportagem, deu uma amaciada no inferno) fala do assunto nos pontos 1033 a 1037. No 1035 diz claramente que o principal castigo do inferno é a ausência de Deus - e isso é muito pior que passar a eternidade sendo grelhado ou recebendo aqueles castigos meio escatológicos (nos dois sentidos, talvez?) dos quadros do Bosch. Além do mais, o Catecismo ainda menciona, no mesmo ponto 1035, o "fogo eterno", com uma nota de rodapé que remete a vários pontos do Denzinger que ressaltam o lance das penas. Como eu tenho o Denzinger em casa, fui conferir:

  • no 858 (II Concílio de Lyon, 4.ª sessão, 1274), afirma-se que as penas são "diferenciadas";
  • no 1002 (constituição Benedictus Deus, de Bento XII, 1336), fala-se de "suplícios infernais".
    (tem outros, mas esses são os que falam das punições que chamamos "pena de sentido")

    Quer dizer, o "Papa que suavizou o inferno" aprovou um Catecismo que fala dos suplícios e ainda cita ensinamentos anteriores que confirmam o fato? Esquisito, não é?

    2. Agora que já definimos "pena de dano" e "pena de sentido", não me parece que Bento XVI tenha afirmado que essa é mais importante que aquela. O que o Papa atual disse foi que o inferno existe, e isso não se pode perder de vista. Mas não colocou a ênfase nos tormentos como mais importantes que o fato de o condenado ficar eternamente longe de Deus.

    De qualquer maneira, considerando que tanto João Paulo II quanto Bento XVI não varreram pra debaixo do tapete a existência real do inferno, a conclusão que se tira é de que o seguinte trecho da reportagem:

    Entre os fiéis das igrejas tradicionais, as retribuições da vida eterna se tornaram um tanto abstratas, um recurso didático para incutir princípios morais nas crianças. É como se as igrejas mais antigas houvessem se secularizado, relegando idéias que antes inspiravam temor (o inferno) e esperança (o céu) para o plano das figuras de linguagem.
    pode até se aplicar a outras denominações, mas certamente não à Igreja Católica, que sempre reafirmou a existência do inferno, com tudo que lhe é de direito. A Igreja nunca tratou o inferno como "figura de linguagem". Talvez alguns padres prefiram pensar assim, e passem adiante seu ponto de vista (eu ouvi pelo menos um caso desses). Quanto a eles, eu só espero que não acabem recebendo o desmentido do pior jeito...
  • sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

    Um pouquinho de publicidade

    O blog não foi feito pra isso, mas é que os caras são bons:

    "O PAPEL DO JORNALISMO HOJE"
    será o tema da Tribuna Independente do dia 25 de fevereiro, segunda-feira, às 22h00.

    O Prof. Dr. Ives Gandra Martins receberá os seguintes Jornalistas:
    Carlos Alberto Di Franco, Diretor do Master em Jornalismo.
    Ricardo Gandour, Diretor de conteúdo do Grupo O Estado de S. Paulo.
    Fernando Salerno, Presidente da Associação Paulista de Jornais, Diretor do Jornal Valeparaibano.

    Participe, enviando suas perguntas por fax (0xx17) 3355-8432 ou e-mail: acea@acea.org.br / tribunasp@redevida.com.br

    Rede Vida de Televisão
    Transmissão: 26 NET 34 UHF 03 TECSAT 73 TVA 20 SKY + DIRECTV

    Graça alcançada, ou seu dinheiro de volta?

    Meu amigo Wagner Marchiori acaba de me passar uma coisa tão nonsense que eu não sei se rio ou se choro. Saiu na Folha Online:


    Aprenda simpatia para pedir uma graça a Nossa Senhora de Fátima


    A coisa começa torta desde o início. Vejamos a descrição do segredo revelado por Nossa Senhora aos pastores:

    Além de ter pedido que houvesse paz entre os homens e que se rezasse mais o terço, a santa revelou três segredos às crianças. O primeiro se referia ao fim da Primeira Guerra Mundial. O segundo dizia que a Rússia se converteria e teria paz. O último, só revelado em 2000 descrevia o papa, bispos e religiosos seguindo uma trilha de soldados baleados, e foi interpretado pela Igreja como a descrição do atentado que João Paulo II sofrera em 1981.


    Quase tudo errado. A primeira parte do segredo era a visão do inferno (parece um tema recorrente nesse blog, mas o que eu posso fazer?):

    Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças à nossa bôa Mãe do Céu; que antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.


    A segunda parte do segredo era o fim da Primeira Guerra Mundial, o início da Segunda Guerra Mundial e o pedido de consagração da Rússia:

    Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.


    Só na terceira parte do segredo é que o redator deu bola dentro. E agora entramos no terreno da picaretagem:

    Para alcançar uma graça
    Reze um terço inteiro no dia da santa e faça seu pedido. Ao tocar as contas grandes, reze um pai-nosso. Para cada conta pequena, reze uma ave-maria.


    Não sei se a Carolina Chagas sabe, mas é assim mesmo que se reza um terço. Contas grandes (ou as mais separadas das outras) são pai-nossos, contas pequenas são ave-marias...

    Repita a oração por cinco meses, sempre no dia 13. Se o desejo se mostrar justo e for para seu bem, a santa ouvirá.


    Bom, um aviso aos católicos incautos: Nossa Senhora ouve os pedidos e os "retransmite" a Deus mesmo se você não rezar cinco terços em cinco dias 13 seguidos.

    O pior é que a propaganda da matéria é enganosa! Veja que lá diz "para alcançar uma graça" Opa, então é garantido? Vamos ler! Mas depois o leitor, descobre, decepcionado, que para a graça ser alcançada, o desejo tem que ser justo e ser para o bem do devoto... quer dizer, não adianta pedir poder ilimitado e um harém com as mulheres mais lindas. E, avisando que nem sempre se consegue a graça, a Publifolha se livra da obrigação de devolver a grana de leitores insatisfeitos que não tiverem seus pedidos atendidos.

    O que a Carolina Chagas também não sabe, ou até sabe mas não conta para não tirar ibope do livro, é que nem sempre Deus atende os pedidos mesmo que sejam justos e para o nosso bem. Ele pode nos dizer "não" por razões que só conheceremos do lado de lá. Mas aí a coisa já parece profunda demais para o tal Livro das Graças...



    Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós e dai uma iluminada na cabeça de certos escritores!

    Isso não deve sair no El País...


    (O cardeal Cipriani, arcebispo de Lima, outro grande exemplo de bispo)

    Lembram da trapalhada (para não dizer outras coisas) que o El País fez sobre um discurso de Bento XVI, pegando um inofensivo texto do La Repubblica e acrescentando que, com suas palavras sobre o inferno, Bento XVI contradizia João Paulo II? Pois bem, a mentira já foi desmascarada aqui. Mas, como esse blog só tem um punhadinho de leitores, o arcebispo de Lima, cardeal Cipriani, falou à Zenit sobre o assunto:

    Cardeal Cipriani: não há contradição entre papas sobre inferno

    Eu bem que gostaria de queimar a língua, mas acho que o El País não vai dar essa notícia...

    quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

    Olha que eles quase acertaram dessa vez

    A novidade da semana é um incidente bizarro envolvendo uma escola católica nos Estados Unidos: um jogo de basquete entre a St. Mary's e uma outra escola foi cancelado porque a escola anfitriã se recusou a aceitar uma mulher na arbitragem. O argumento: isso colocaria uma mulher em posição de autoridade sobre meninos... claro, tinha que ser coisa da Sociedade de São Pio X, o grupo cismático fundado por Marcel Lefebvre, arcebispo excomungado pelo Papa em 1988.

    A notícia toda está aqui:

    Female Referee Removed From Officiating Boys' Basketball Game by Religious School

    A parte que interessa ao blog, na verdade, é essa:

    St. Mary's Academy, about 25 miles northwest of Topeka, is owned and operated by the Society of St. Pius X, which follows older Roman Catholic laws. The society's world leader, the late Archbishop Marcel Lefebvre, was excommunicated by Pope John Paul II in the late 1980s.
    Quando se fala de grupos tradicionalistas (especialmente os tradicionalistas fora da comunhão com Roma, os "rad-trads"), a chance de escorregar é grande. No caso, a Associated Press acertou ao falar da excomunhão do arcebispo, mas esse negócio de "seguir antigas leis católicas" soa muito esquisito. Que leis? Outro erro comum nos jornais é classificar rad-trads simplesmente como gente apegada à missa tridentina (atenção, colegas! É missa tridentina, e não "missa em latim" - com o missal novo também se pode celebrar em latim, aliás a língua padrão do missal de 1969 é justamente o latim!), quando na verdade o problema deles é muito maior: é considerar a missa nova inválida, e defender que a Igreja ensinou erros no Concílio Vaticano II.

    Agora, para o pessoal da St. Mary's, eu recomendo a leitura atenta da encíclica Mulieris Dignitatem, de João Paulo II. Quer dizer, isso se eles não torcerem o nariz logo de cara por ser um documento pós-1962...

    terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

    Cuidado, ou o Santo Ofício vai te pegar!

    A pedido de um comentador anônimo do blog (nada contra, mas não seria melhor mostrar pelo menos o nome?), dou umas palavrinhas sobre o texto O bispo intrometido, que saiu na IstoÉ da semana passada.

    Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife e exemplo de sucessor dos Apóstolos. (Fonte: www.arautos.org.br)

    Que o texto é de uma babaquice sem tamanho, repete aquele mantra de "Estado laico" quando na verdade quer mais é que a Igreja fique calada, bom, isso é óbvio. Mas o objetivo desse blog não é ficar rebatendo cada acusação feita à Igreja, até porque para isso temos gente muito boa por aí (em breve prometo colocar uma lista de links bons para vocês). O objetivo do blog é mostrar que muitos jornalistas, quando resolvem falar da Igreja, não têm a menor idéia do que estão falando. Por que as redações fazem questão de ter um especialista em ciência, um especialista em meio ambiente, um especialista em Justiça... mas não um especialista em religião?

    Nesse aspecto, o texto da IstoÉ não chega a ser totalmente mentiroso. De fato, dom José (que Deus o mantenha na ativa por muito tempo) é um bispo zeloso, não é omisso, faz o que tem que fazer e fala o que deve falar. Agora, no texto tem duas coisas que valem a pena comentar, dentro do escopo do blog:

    Recentemente, depois de consultar o arcebispo, a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) condenou o padre Edwaldo Gomes a três meses de suspensão
    A imprensa tem essa mania besta de lembrar que a Congregação para a Doutrina da Fé um dia se chamou "Santo Ofício". Vejam esse texto da EFE (tinha que ser) de 30 de janeiro:

    Papa afirma que fecundação in vitro infringe dignidade humana

    Aqui, o termo "Santo Ofício" é repetido duas vezes logo no começo.

    O problema é que essa mudança de nome foi feita em 1965! Qual a utilidade de continuar mencionando isso? Será que alguém ainda pode confundir os nomes? Aqui no Paraná, o Cefet virou UTFPR não faz mais de quatro anos. Muita gente ainda chama a universidade de Cefet. Então até faz sentido, de vez em quando, escrever "a UTFPR (ex-Cefet) faz vestibular hoje". Mas, pelamordedeus, para que ficar recordando o antigo nome de algo que tem uma mesma denominação há mais de 40 anos? É pra fazer a associação com a Inquisição? Então deixem de besteira e digam de uma vez "ex-Inquisição" (ou "ex-Congregação para a Inquisição Universal", que era o nome oficial até 1908).

    A outra babaquice da IstoÉ que merece comentário segue aqui:

    Na lógica escolástica do arcebispo, a pílula estimula a prática do sexo e até mesmo o aborto. "É um pecado grave. Quem pratica o aborto está matando, destruindo a vida de pessoas inocentes. A Igreja Católica pune essa prática com a excomunhão", disse o prelado, como se vivesse nos tempos de Torquemada, o grande inquisidor espanhol do século XV.
    Primeiro, como assim "lógica escolástica"? O redator da revista resolveu lascar ali um adjetivo de cunho religioso sem nem saber direito o que significa, suponho. Porque a "lógica" de dom Cardoso não é nem escolástica, nem patrística, nem nada - é simplesmente lógica. Ou vai me dizer que a grande oferta de contracepção/aborto de emergência não deixa a molecada mais irresponsável na hora de pular carnaval?

    Pior: que a pílula causa aborto não é questão de raciocínio ou opinião - é um fato que aparece até na bula!

    E, por último, não podia faltar uma referência à Inquisição. Pelo jeito, o redator de IstoÉ deve achar que todo mundo treme só de ouvir o nome do Torquemada. Alguém precisa avisá-lo de que a Igreja sempre condenou firmemente o aborto. Então, a afirmação de dom Cardoso vale para os tempos de Torquemada do mesmo jeito como vale para os tempos de São Pedro, de São Silvestre I, de São Francisco de Assis, de Santo Inácio de Loyola, de São Filipe Néri, de Pio IX, de João XXIII, da Madre Teresa de Calcutá e de Bento XVI, e continuará valendo até o fim dos tempos. Tentar associar a doutrina imutável da Igreja a um personagem histórico impopular é, no mínimo, burrice. No máximo, bom, o horário não me permite dizer.

    sábado, 9 de fevereiro de 2008

    O inferno no Terra - os espanhóis, e não os italianos, inventaram a contradição

    Lembram que, no caso do inferno, o Terra citava o El País, que por sua vez jogava a batata quente pro La Repubblica? O Wagner Moura me manda o link da notícia do jornal italiano:

    Papa Ratzinger: "L'inferno esiste
    In Quaresima digiuno dai media"


    Ninguém precisa saber italiano (embora eu saiba) para deduzir que na notícia original não existe uma vírgula sequer sobre "contradições" entre as palavras de Bento XVI e João Paulo II. Conclusão: isso foi invenção dos espanhóis!

    Ainda assim, isso não tira a culpa do Terra, só atenua. Mas eu me pergunto onde foi parar o desconfiômetro dos jornalistas. Vejamos bem: vem uma notícia do exterior dizendo que Bento XVI desmentiu João Paulo II em um assunto doutrinário. Sim, aquele Ratzinger que era a autoridade máxima, nomeada pelo próprio João Paulo II, justamente para assuntos de doutrina. Não é no mínimo esquisito? Não mereceria uma checagem? Mas, na pressa (inclusive a pressa de furar a concorrência), os sites acabam publicando daquele jeito mesmo. E dá nisso. Estou passando o sábado em casa e não vi se algum dos grandes jornais brasileiros embarcou nessa. Amanhã talvez eu verifique.

    Quanto ao El País, é triste ver como alguns dos maiores erros na cobertura papal vêm da Espanha. A EFE já pisou na bola várias vezes em relação a isso. E eu realmente tenho a impressão de que é de propósito. Ou o elenco deles é incrivelmente incompetente.

    sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

    OK, novas cores e nova apresentação

    Acho que vai ficar assim mesmo.

    A imagem aí de cima é um detalhe de Santo Tomás Confunde os Hereges, de Filippino Lippi. Está na igreja romana de Santa Maria Sopra Minerva - muito apropriadamente, pois Santo Tomás de Aquino era dominicano, e quem cuida da igreja são os dominicanos. Lá também está o corpo de Santa Catarina de Sena, dominicana da ordem terceira.

    Tomás de Aquino era tão bom que ouviu do próprio Cristo "escreveste bem sobre Mim". Quanto aos jornalistas que escrevem sobre religião, não precisam ser Tomás de Aquino: basta que façam o trabalho direito.

    Terra e o inferno: se querem arrumar, arrumem direito

    Uma das maravilhas do jornalismo na internet é a possibilidade de corrigir as burradas sem deixar rastro (a não ser que algum espírito de porco faça print screen do erro). É o que o Terra fez na notícia sobre o inferno. Quer dizer, fez correções, mas os erros continuam lá. Segue de novo, com as correções em vermelho.

    O papa Bento XVI afirmou que o inferno é um local físico que existe e não está vazio, ao contrário do que seu antecessor, João Paulo II, dizia. "O inferno, de que se fala pouco neste tempo, existe e é eterno", já havia afirmado o pontíficie no ano passado.


    Acrescentaram o "local físico". Mas, como vocês devem ter lido abaixo, ainda assim não existe contradição entre o que disseram Bento XVI e João Paulo II. Ou seja, o Terra continua insistindo em uma situação que não houve. Bento XVI não "desmentiu" João Paulo II, nem sobre o inferno existir, nem sobre ser eterno, e nem sobre ser um lugar físico.

    Ah, sim: o UOL pelo menos republica a notícia com um "Erramos" na frente. O concorrente podia seguir o exemplo.

    Inferno!

    Como diria minha colega Cecilia, "inferno!" Essa é do Terra, mas no meio do texto descobrimos que o culpado maior é o espanhol El País - que, por sua vez, joga a responsabilidade para o italiano La Repubblica. Mas fiquemos naquilo que os brasileiros lerão:


    Papa diz que o inferno existe e não está vazio



    (um pedacinho do inferno segundo um dos meus pintores preferidos, Hieronymus Bosch)

    Bom, por si só isso nem renderia manchete para mim; o Papa disse apenas o óbvio. Mas vamos ao texto:

    O papa Bento XVI afirmou que o inferno existe e não está vazio, ao contrário do que seu antecessor, João Paulo II, dizia. "O inferno, de que se fala pouco neste tempo, existe e é eterno", já havia afirmado o pontíficie no ano passado.
    Em um encontro que marca o início do período da quaresma, o Papa mandou um recado para os católicos, dizendo que a salvação não é imediata nem chegará a todos, de acordo com o jornal La Repubblica.
    No ano passado, ele já havia afirmado que "o inferno, do qual se fala pouco nestes tempos, existe e é eterno", ressaltou o site do jornal El País. Em 1998, João Paulo II esclareceu conceitos sobre céu, inferno e purgatório. Para ele, o inferno não era um local, mas "a situação de quem se afasta de Deus".


    Em primeiro lugar: o que Bento XVI efetivamente disse hoje (ou ontem, que seja)? Não sabemos. As únicas aspas do Papa são... do ano passado. Bom, notícia do ano passado era boa de ler no ano passado.

    E agora o pior de tudo, que eu destaquei em negrito: "ao contrário do que João Paulo II dizia"???? Vamos analisar a frase. Se para Bento XVI o inferno existe e é eterno, e isso é o contrário do que João Paulo II dizia, a gramática e a lógica nos fazem concluir que, então, João Paulo II ensinava que o inferno ou não existia, ou não era eterno.

    Sorte nossa que o Terra nos mostra o que João Paulo II disse:

    Em 1998, João Paulo II esclareceu conceitos sobre céu, inferno e purgatório. Para ele, o inferno não era um local, mas "a situação de quem se afasta de Deus".


    Os caras do Terra não conseguem nem ler número em espanhol direito. Lá no El País diz-se que essas declarações são do verão de 1999. Mas vamos às palavras do Papa. Bom, João Paulo II define o inferno. Daí se conclui logicamente que o inferno, sim, existe. Se não existisse, não seria nada, certo? Mas diz João Paulo II que é "a situação de quem se afasta de Deus".

    Agora, quanto a ser ou não eterno, o Terra nos deixa na mão. Então precisamos ir à fonte original, a audiência de João Paulo II em que ele fala do inferno. Curiosamente, nem Terra nem El Pais nos dizem o dia exato em que a audiência ocorreu (talvez para que não descobríssemos que a coisa não é bem como eles noticiaram), então eu tive o trabalho braçal de procurar no site do Vaticano.

    Audiência de 28 de julho de 1999

    Logo no comecinho:

    Em sentido teológico, contudo, o inferno é outra coisa: é a última consequência do próprio pecado, que se vira contra quem o cometeu. É a situação em que definitivamente se coloca quem rejeita a misericórdia do Pai, também no último instante da sua vida.


    Repararam no "definitivamente"? Pois bem: segundo João Paulo II, o inferno não só existe, mas também é eterno. Onde está a contradição em relação ao que disse Bento XVI?

    Sobrou uma última possibilidade de oposição: a noção de inferno como "lugar" ou "situação". Isso se resolve também no texto da audiência:

    O inferno está a indicar, mais do que um lugar, a situação em que se vai encontrar quem de maneira livre e definitiva se afasta de Deus, fonte de vida e de alegria.


    "Mais do que um lugar" - ou seja, o inferno é principalmente situação, mas também é lugar. Do contrário, o Papa teria dito que o inferno "não é um lugar, mas uma situação".

    Para terminar, a cereja no bolo: na home page do El País, o seguinte textinho logo abaixo do título "Bento XVI: o inferno existe": "El Papa contradice de nuevo a su predecesor Juan Pablo II". Peraí: como assim, "de novo"? E a matéria nem se dispõe a explicar em que outras ocasiões Bento XVI "contradisse" João Paulo II.

    Fechando a questão, então: o inferno existe, não está vazio e deve ter um círculo reservado para jornalistas.

    Uma breve apresentação

    Resolvi inaugurar hoje esse novo blog, mesmo ele ainda não estando graficamente pronto. Então faço uma breve apresentação:

    Em resumo, a idéia do blog nasceu de uma constatação: nunca na história desse país a imprensa escreveu tanta bobagem sobre a Igreja. Não falo de criticá-la por suas posições contra o aborto, contra a camisinha, essas coisas. Falo é de erros tosquíssimos de informação mesmo: dizer que a Igreja é contra as células-tronco quando na verdade ela se opõe apenas às pesquisas com embriões; chamar missa tridentina de "missa em latim"; dizer que o Vaticano II mudou praticamente tudo na Igreja; alterar trechos de discursos do Papa ou retirá-los do contexto. Acho que não passa uma semana sem alguém dar uma escorregada das grandes.

    Por isso, estou aqui me propondo a corrigir todas essas bobagens; se os meus comentários chegarão aos responsáveis pelas barbaridades, eu não sei - tomara que sim. Mas, ainda que não cheguem, se servir para uma pessoa que seja reparar que as coisas não são exatamente do jeito que saiu em determinado site, no jornal tal ou naquele canal de televisão, já ficarei satisfeito.

    Claro, conto com a ajuda dos leitores para me indicar notícias que contenham erros sobre a Igreja. Infelizmente não consigo monitorar tudo que sai sobre o assunto nos sites e jornais...

    E agora, vamos ao trabalho!