terça-feira, 17 de junho de 2008

A culpa sempre é do Concílio Vaticano II

Ícone da Comunhão dos Apóstolos, igreja de São Nicolau, em Curtea de Arges (Romênia), c. 1350. Antes que alguém pergunte "viu? Jesus não colocava a hóstia na boca deles", eu respondo que, como bispos, os Apóstolos podiam, sim, pegar o Santíssimo Sacramento com as mãos.

Saiu no Diário de Natal, que por sua vez cita o Correio Braziliense:
Bento XVI restaura a comunhão de joelhos

Diante de 70 mil pessoas, o papa Bento XVI fez história domingo durante a celebração de uma missa em Brindisi, cidade situada na região sudoeste da Itália. No momento da comunhão, o pontífice restaurou o costume de entregar a hóstia consagrada aos fiéis ajoelhados. Apenas os diáconos puderam comungar de pé, diante do líder da Igreja. O gesto, de forte apelo simbólico, resgatou uma tradição abandonada havia 43 anos, quando a reforma litúrgica definida pelo Concílio Vaticano II determinou que os peregrinos receberiam a hóstia de pé e nas mãos. A partir de agora, todos os católicos escolhidos pela Santa Sé para a comunhão com o papa terão de se ajoelhar diante de um reclinatório e receber a eucaristia diretamente na boca.

Bento XVI já havia feito o mesmo na missa de 22 de maio, celebrada na Igreja de São João Latrão, em Roma. Como o número de fiéis presentes era menor, a atitude teve pouca ou quase nenhuma repercussão. "Nós, os cristãos, nos ajoelhamos diante do Santíssimo Sacramento (a hóstia) porque, nele, sabemos e acreditamos estar na presença do único e verdadeiro Deus", afirmou o papa, naquela ocasião. "Estou convencido da urgência de dar novamente a hóstia diretamente na boca aos fiéis, sem que a toquem, e de voltar à genuflexão no momento da comunhão como sinal de respeito", acrescentou.

A assessoria de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou ao Correio que ainda não recebeu qualquer comunicado do Vaticano sobre a inclusão dos 125 milhões de brasileiros católicos na mudança litúrgica. "Resta saber se essa é uma norma ou uma orientação do Santo Padre", declarou a entidade. Ainda que a determinação valha apenas para fiéis que comungarem diretamente das mãos do pontífice, ela reforça a tendência de Bento XVI em recuperar partes mais tradicionalistas do ritual, que caíram em desuso com o tempo.

Em três anos de pontificado, o papa manteve-se fiel ao antigo cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: condenou o casamento homossexual e o aborto e exigiu que as pesquisas genéticas respeitem a vida. Mas a medida mais surpreendente até então foi o relançamento da missa em latim, com base no rito tridentino (em que o sacerdote fica de costas para os fiéis e faz a celebração no idioma milenar). Em vigor desde 14 de setembro, a norma foi bem recebida pela área mais conservadora da Igreja Católica. (Correio Braziliense)
Primeiro, que o Papa não restaurou coisa nenhuma. Até onde eu me lembro, e eu vi muuuuitas missas papais pela televisão, as pessoas também se ajoelhavam pra receber a comunhão das mãos de João Paulo II.

Segundo, que o Concílio Vaticano II não tem absolutamente nada a ver com comunhão nas mãos ou na boca, em pé ou de joelhos. Aquele pequeno trecho da reportagem concentra inúmeros erros:
  • absolutamente nenhum texto conciliar determina a comunhão em pé ou na mão;
  • o concílio terminou em 1965, e a reforma litúrgica é de 1969;
  • mesmo segundo o missal de Paulo VI, o modo padrão de receber a comunhão é na boca; só se pode dar a comunhão na mão em locais onde o Vaticano permitiu, depois de um pedido formal da conferência episcopal local.

    Ah, claro, o nome daquele negócio onde se ajoelha é genuflexório.

    E consultar a CNBB sobre o assunto pode parecer meio superficial (como quando o Jornal de Santa Catarina perguntou ao arcebispo de Florianópolis se ele podia fazer alguma coisa em relação à revolta de paroquianos na Vila Nova, diocese de Blumenau), mas revelou que até os bispos estão confusos. A comunhão de joelhos já é uma norma. Só que, no Brasil, existe a permissão para se comungar em pé.

    Por fim, sempre a confusão entre "missa em latim" e "missa tridentina". Eu acho que vou desistir de tentar convencer meus colegas que de no rito tridentino o padre celebra "de frente para Deus", e não "de costas para o povo". Por incrível que pareça, o redator da matéria acertou o mais difícil: a data em que a Summorum Pontificum entrou em vigor.

    Qual é realmente a novidade da matéria? A defesa explícita que o Papa fez da comunhão de joelhos e na boca. Isso sim deveria ter sido realçado, pois o fato de as pessoas receberem a comunhão do Papa ajoelhadas já chega a ser corriqueiro nas celebrações papais (e a própria matéria ressalta que o acontecimento de Brindisi não foi o primeiro).
  • 3 comentários:

    Anônimo disse...

    Depois do Gracinha e do Jabor fazendo teologia, agora vêm os liturgistas do DN mudar o modo de receber a comunhão. Não é nem de pé e nem de joelhos, mas reclinado (e eu não consigo deixar de pensar nos personagens clássicos, deitados de lado em suas refeições, sempre com um belo cacho de uvas numa das mãos e a própria cabeça apoiada na outra).

    Segundo um dicionário online:

    reclinatório
    do Lat. reclinatoriu
    s. m.,
    objecto próprio para alguém se reclinar.

    Vamos precisar de mais MESCs pois deve gastar muito tempo para todo mundo se reclinar, comungar, levantar e voltar para seu lugar. Acho melhor ficarmos com o genuflexório e, principalmente, com o Papa.

    Anônimo disse...

    Essa de comungar encostado foi demais... =)

    Já tem uns dois anos, pelo menos, que sempre procuro comungar de joelhos quando não estou no presbitério. Me adiantei ao papa!

    Como o texto é do Correio, não me admira a falta de informação.

    Miguel Frasson disse...

    Diz o Papa (de acordo com a reportagem): "Estou convencido da urgência de dar novamente a hóstia diretamente na boca aos fiéis, sem que a toquem, e de voltar à genuflexão no momento da comunhão como sinal de respeito"

    Apesar da norma ser a comunhão na boca e de joelhos, isso aparentemente não é feito em vastíssimas regiões do mundo. É quase como usar latim e o canto gregoriano na liturgia: é o oficial, mas na prática desapareceu.

    Então convém usar a palavra "restauração" para esta ação do Papa. Discordo, portanto, do texto do blogger, que diz: "Primeiro, que o Papa não restaurou coisa nenhuma..."