quinta-feira, 9 de julho de 2009

O cardeal que levou a culpa pelo que não fez

(escrito na noite de quarta, mas publicado só na manhã de quinta para não desrespeitar as regras da agência noticiosa)

Estava eu aqui vasculhando as notícias da Folhapress para o fechamento do jornal de hoje quando vi a seguinte insanidade:

Religião-Vaticano: Papa remove cardeal responsabilizado por crise sobre Holocausto
Fiquei pensando quem seria o tal cardeal. Aí o texto diz:

O papa Bento 16 removeu hoje uma autoridade do Vaticano amplamente responsabilizada por suspender a excomunhão do bispo Richard Williamson, que havia negado a amplitude do Holocausto.
O cardeal Darío Castrillón Hoyos era presidente do departamento Ecclesia Dei (Igreja de Deus) criado 20 anos atrás pelo Vaticano para buscar uma reaproximação com o grupo dissidente tradicionalista Sociedade de São Pio 10º (SSPX), que se opõe a medidas de modernização introduzidas na igreja pelo Concílio Vaticano 2º (1962-65).
Opa, opa! O responsável por suspender as excomunhões dos bispos lefebvristas foi o próprio Papa! Ele disse isso mais de uma vez! E aliás a Folhapress sabe disso, pois lá no fim do texto escreveu

Os comentários de Williamson e a decisão do papa de remover sua excomunhão -que visava a pôr fim a uma disputa de 20 anos dentro da igreja-
Então, qual foi o "erro" de Castrillón? Foi bem diferente de "ser responsável pela reabilitação de Williamson":

Mas o bispo britânico já havia feito comentários semelhantes antes do perdão -boa parte deles disponíveis na Internet - e Castrillón Hoyos foi criticado por não ter examinado o caso dele adequadamente e previsto a reação que se seguiria.
Do jeito que saiu a notícia na Folhapress, ficou parecendo que o Papa estava retaliando o cardeal Castrillón pela sua atuação no caso dos lefebvristas. Assim como os idiotas do Estadão fizeram parecer que o Papa tinha aceito a renúncia de dom José por causa do episódio de Alagoinha. Mas o que aconteceu de fato?

A incorporação da Comissão Ecclesia Dei à Congregação para a Doutrina da Fé já era algo amplamente conhecido. Só não se sabia quando ocorreria. Com o novo organograma, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé se torna presidente da Ecclesia Dei. Além disso, o cardeal Castrillón já está com 80 anos, bem acima da idade de aposentadoria dos bispos. Ou seja, o entra-e-sai de prelados tem motivos puramente organizacionais. Querer atrelar a aposentadoria do cardeal Castrillón ao caso do bispo Williamson é forçar demais a barra. Mas o que esperar da Folha, némesmo?

E fica a pergunta: na manhã dessa quinta, quantos jornais terão caído no conto da Folhapress?

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Meus colegas exigem a minha volta

Pois é, amigos. Tenho andado bem ocupado cuidando do Tubo de Ensaio e do blog do Veritatis Splendor, do qual sou editor. Mas a notícia do Estadão online de hoje é tão, mas tão estúpida, idiota, imbecil, canalha mesmo, que preciso voltar aqui e mostrar pra vocês.

Vejam que título tosco:

Papa destitui bispo de PE que puniu vítima de estupro

Aqui, as únicas informações verdadeiras são que
1. houve uma decisão do Papa
2. o bispo era de Pernambuco
3. houve uma vítima de estupro

Fora isso, é tudo mentira. Os verbos estão todos errados.

Primeiro, que o Papa não "destituiu" ninguém. Ele simplesmente aceitou a renúncia de dom José, que já havia sido apresentada há um ano, quando o arcebispo completou 75 anos. Isso até chega a ser explicado na reportagem, ou seja, não há justificativa para afirmarem que dom José foi "destituído".

Segundo, que dom José não puniu a menina. Ele afirmou até não poder mais que a menina não estava excomungada. A canalhice persiste na reportagem:

(...) protagonizou um escândalo internacional ao excomungar uma menina de nove anos que passou por um aborto depois de ter sido violentada sexualmente pelo padrasto. (...) O arcebispo de Olinda e Recife se envolveu em um escândalo internacional no dia 5 de março, quando anunciou publicamente que o médico que realizou o aborto, a mãe que o autorizou e a menina vítima de estupro estavam sumariamente excomungados.
Mentira, mentira deslavada! É inacreditável que um jornal do porte do Estadão seja capaz de passar adiante um desvario desse tamanho!

E o pior é que vai haver muitos jornais reproduzindo essa insanidade...

Editado dia 2, 9h52 O Estadão consertou a matéria, mudando o título e retirando qualquer referência à suposta excomunhão da menina. Muito bem! Só não informou os leitores de que era uma errata. Mas tudo bem, a URL da reportagem continua atestando o crime cometido anteriormente...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Desde quando TL é beato?

Não vou comentar o caso de Fernando Lugo. Só vou apontar umas aberrações que vi na, adivinhem? Folha de S.Paulo, edição online.

Ontem:
Ex-beata acusa presidente paraguaio de ser pai de criança

Hoje:
Presidente paraguaio tem seis filhos bastardos, diz ex-beata

A única coisa que a reportagem informa sobre Damiana Morán é que ela é "ex-coordenadora da Pastoral Social da Diocese de San Lorenzo" e agora é "diretora de uma creche". E só. Então, de onde tiraram esse "ex-beata"? Ela abandonou a Igreja, para ser "ex"? Era conhecida pela frequência das práticas piedosas, para ser "beata"? Ou será que não sabiam que termo usar para se referir à "mãe do filho do bispo" e, num momento de insanidade, resolveram que "ex-beata" servia?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

terça-feira, 14 de abril de 2009

Depois de enforcarem, ainda reencarnam Jesus!

Essa é cortesia da Maria Alice. Cliquem aqui e vejam essa legenda impressionante:

Atores encenam a reecarnação de Jesus Cristo no monte El Calvario, em Tandil, Argentina
Vejam antes que alguém lá perceba e faça a correção!

Como recordar é viver, talvez o mais célebre "Erramos" já publicado, pelo principal concorrente do Estadão:

"Diferentemente do que foi publicado no texto 'Artistas 'periféricos' passam despercebidos', à pág. 5-3 da edição de ontem da Ilustrada, Jesus não foi enforcado, mas crucificado, e a frase 'No princípio era o Verbo' está no Novo, não no Velho Testamento." (7/12/94)

sábado, 11 de abril de 2009

Peça de propaganda travestida de reportagem

A IstoÉ dessa semana chegou à casa de meus pais, onde estou passando a Páscoa, e traz uma reportagem sobre ordenação de mulheres:

Elas querem o sacerdócio

Basta passar os olhos pela matéria para ver que isso não é jornalismo; é propaganda pura. Eu pessoalmente acho que esse papo de "isenção" em muitos casos serve como muleta de jornalista preguiçoso e não me oponho a que um veículo de comunicação defenda certas ideias (como a IstoÉ defende neste caso) - mas nunca deve fazê-lo omitindo ou distorcendo informação.

Vejam que há uma falta de balanço gritante entre defensores e opositores da "ordenação feminina" (com direito a participação de dom Clemente Isnard, um que, se não tiver seu arrependimento final, tem passagem reservada para o círculo mais central do inferno dantesco, o dos traidores), e o único sujeito decente na matéria, o padre Juarez, ainda teve selecionada uma frase bem insossa. Certamente ele falou muito mais que isso, usou argumentos muito melhores, mas a revista seleciona uma frase inofensiva para não dar munição à tese contrária.

No entanto, uma das piores coisas da matéria é ignorar completamente a existência do documento Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, onde João Paulo II fecha a questão definitivamente ao declarar:

Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.
E a verdade é que qualquer reportagem sobre ordenação de mulheres na Igreja Católica que omita a existência deste documento está irremediavelmente falha.

Ainda assim, há outras falhas.

O direito de as mulheres exercerem o sacerdócio é um dos maiores e mais antigos tabus do catolicismo.
Hmmm, não, não é. Essa é uma discussão muito recente, e basta ver que praticamente nenhuma igreja ou comunidade eclesial cristã "ordenava" mulheres até há pouquíssimo tempo. A repórter, obviamente, não traz nenhuma prova de que essa discussão existisse antes do século XX, mas não tem vergonha de falar em "um dos mais antigos tabus do catolicismo".

Exceto a Igreja Católica, a maioria das religiões cristãs – que não têm uma autoridade centralizada – já supera a questão do gênero no sacerdócio.
Que eu saiba, a Igreja Católica não é a única a admitir apenas homens no clero. Os ortodoxos também agem assim, e até outras religiões não-cristãs. Por que a revista não vai encher o saco dos muçulmanos, por exemplo, que também não admitem mulheres entre as autoridades religiosas? Além disso, ainda que todas as outras religiões, igrejas, igrejolas e assemelhados do mundo admitissem mulheres no clero, isso não significa absolutamente nada...

Segundo levantamento do grupo Women Priests (Mulheres Sacerdotisas), oito em cada dez teólogos no mundo apoiam a ordenação de mulheres.
Taí uma pesquisa que eu gostaria de ver direito...

Os partidários da renovação católica acreditam que a ordenação de mulheres poderia ser uma solução para um dos maiores problemas da Igreja na atualidade – a crise de vocação. Segundo o anuário pontifício de 2009, a Instituição Católica conta com cinco mil bispos, 408 mil padres e 36 mil diáconos em todo o mundo. Em contraste, o número de religiosas chega a 810 mil.
Olha a falácia. OK, são duas vezes mais freiras que padres no mundo. Mas por acaso quantas dessas 810 mil religiosas gostariam de ser ordenadas? E se for uma pequena (embora barulhenta) minoria? Não resolveria o problema de forma alguma...

Ainda ganhamos, como brinde, um box chamado "As mulheres de Jesus", que diz

Marta o acompanhou durante a crucificação, enquanto muitos dos seus seguidores homens o abandonaram.
Hã? Marta, irmã de Maria e de Lázaro? Tipo, sejamos diretos: de onde a repórter tirou isso? Ela até podia estar lá mesmo, mas nenhum evangelho a menciona nominalmente. Além de propaganda, a IstoÉ agora está investindo em adivinhação?

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Precisa-se de relógio e de calendário

Comentei faz algumas horas com o Alexandre Zabot que só existe um nome para essa enxurrada de matérias esquisitas que antecedem os grandes dias do catolicismo: é oportunismo puro. Chega a Páscoa, e começam as matérias sobre evangelhos de Judas, que Jesus não foi isso, que não fez aquilo. Perto do Natal ou do dia de Nossa Senhora Aparecida, é Maria isso, Maria aquilo. Pois bem, agora tem um "especialista" falando coisas para a EFE (cuja reputação já é bem conhecida dos leitores do blog).

Pesquisador levanta dúvidas sobre idade de Jesus ao morrer

Sinceramente, eu acho que a questão das datas é o de menos, se foi em 33, em 39... sabemos que existe muita imprecisão nessas contagens.

Mas aí vem o tal especialista Antonio Piñero (aliás, que nomezinho pretensioso o do livro dele, não?) e me diz o seguinte:
"É minha opinião, mas acho que é mais provável que Jesus tenha sido crucificado na quinta-feira, pela simples razão de que, se foi crucificado às 15h de sexta-feira, teria morrido caída a tarde. Isso, para os judeus é o novo dia, ou seja, sábado (Shabat), dia de descanso", argumenta Piñero. "A crucificação em dia de descanso teria sido uma profanação monumental. É mais possível que não tenha sido crucificado na sexta-feira, mas na quinta-feira."
Bom, aí basta ler os Evangelhos, né?

São Mateus, 27:

45. Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se toda a terra de trevas.
46. Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz forte: Eli, Eli, lammá sabactáni? - o que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
47. A estas palavras, alguns dos que lá estavam diziam: Ele chama por Elias.
48. Imediatamente um deles tomou uma esponja, embebeu-a em vinagre e apresentou-lha na ponta de uma vara para que bebesse.
49. Os outros diziam: Deixa! Vejamos se Elias virá socorrê-lo.
50. Jesus de novo lançou um grande brado, e entregou a alma.
São Marcos, 15:

25. Era a hora terceira quando o crucificaram.
33. Desde a hora sexta até a hora nona, houve trevas por toda a terra.
34. E à hora nona Jesus bradou em alta voz: Elói, Elói, lammá sabactáni?, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
35. Ouvindo isto, alguns dos circunstantes diziam: Ele chama por Elias!
36. Um deles correu e ensopou uma esponja em vinagre e, pondo-a na ponta de uma vara, deu-lho para beber, dizendo: Deixai, vejamos se Elias vem tirá-lo.
37. Jesus deu um grande brado e expirou.
São Lucas, 23

44. Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona.
45. Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio.
46. Jesus deu então um grande brado e disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, dizendo isso, expirou.
Apenas São João não dá uma referência de hora para a morte de Cristo, mas pelos outros evangelhos fica claro como água que 15 horas (a hora nona) não é o momento em que Jesus foi crucificado, mas o momento em que ele morreu.

Mas São João, no capítulo 19, dá outra informação:


31. Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados.
E tem São Lucas, 23 de novo:


50. Havia um homem, por nome José, membro do conselho, homem reto e justo.
51. Ele não havia concordado com a decisão dos outros nem com os atos deles. Originário de Arimatéia, cidade da Judéia, esperava ele o Reino de Deus.
52. Foi ter com Pilatos e lhe pediu o corpo de Jesus.
53. Ele o desceu da cruz, envolveu-o num pano de linho e colocou-o num sepulcro, escavado na rocha, onde ainda ninguém havia sido depositado.
54. Era o dia da Preparação e já ia principiar o sábado.
Ou seja, se quando Jesus foi deposto da cruz e sepultado já ia começar o sábado (para os judeus, a virada do dia é no pôr-do-sol), fica óbvio que Cristo foi crucificado numa sexta-feira.

Alguém, por favor, arrume um relógio e um calendário para o sr. Piñero...

terça-feira, 31 de março de 2009

Se você não conhece o assunto, estude antes. Ou não escreva.

Imagine a situação: você abre o jornal, e vai ler uma reportagem sobre, por exemplo, ciência. Antes de começar o texto, o repórter adianta: "O assunto é complicado, então se eu me enganar em algum ponto, me desculpem." Ridículo, não é? O que você, ou o editor do jornal, diria a um repórter desses? Que vá pesquisar mais sobre o assunto antes de escrever, ou simplesmente que não escreva nada.

Mas tem gente que acha que um avisinho besta desses lhes dá salvo-conduto para escrever sobre a Igreja. A verdade é que todo mundo acha que pode escrever e dar palpite sobre a Igreja. Agora foi a vez do poeta Ferreira Gullar, em um artigo chamado A alma ou a vida (link só para assinantes), publicado na Falh... oops, Folha de S.Paulo de sábado passado. Lá no meio do texto, ele me solta um

Sei que estou me metendo em funduras e, se estiver equivocado, que me desculpem.
Não, eu não desculpo. Se alguém pretende escrever sobre algum assunto na mídia, o mínimo que eu espero é um conhecimento decente sobre o assunto. O que o Ferreira Gullar acharia se eu escrevesse um artigo sobre sua obra e dissesse "olha, eu não li nada dele, então se eu estiver escrevendo besteira, me desculpem"?

Boa parte do artigo é aquela lenga-lenga que já ouvimos até não querer mais sobre a excomunhão no Recife e sobre a declaração do Papa sobre os preservativos na África. Disso nem vou me ocupar. Mas da metade pra baixo o poeta começa:

A mesma crença que faz a Igreja se opor ao uso científico das células embrionárias - porque no embrião está uma alma - coloca-a contra o aborto, em toda e qualquer circunstância. Trata-se de salvar a alma, não a vida.
A Igreja se opõe ao aborto e à pesquisa com embriões justamente porque ali está uma vida, e não necessariamente uma alma. Já comentei esse assunto faz mais de um ano, respondendo a um artigo publicado (será coincidência?) na Folha. Mas a tentativa de criar uma dicotomia é totalmente sem noção. Quer dizer que a Igreja, ao lutar contra o aborto e a destruição de embriões, não se importa com a vida? Ou embriões e fetos, para o poeta, não são vida?

Mas o mais grotesco fica para o fim:

Não obstante, essa condenação (ao preservativo) tem raízes nas Escrituras, na teoria do pecado original, dogma fundamental da Igreja. Esse pecado, praticado por Adão e Eva, foi tão grave que dividiu o mundo em duas "cidades": numa reinaria Deus e, na outra, Satã. Como, porém, sem a relação sexual, a humanidade se extinguiria, a Igreja teve que admiti-la, desde que dentro do matrimônio, por ela consagrado. Por isso mesmo, o sexo só pode ser praticado visando à procriação, não o prazer. Aliás, o prazer, que o ato sexual provoca nos que o praticam, mancha-lhes a alma.
O poeta está achando, por acaso, que o pecado original foi uma relação sexual? Isso sim é que é ignorância das maiores! Preciso lembrar aqui que o pecado original foi um ato de soberba (e não de luxúria) contra Deus? Afinal, a relação sexual já existia antes: como é que o homem ia crescer e se multiplicar, ordem dada por Deus antes do pecado original? E o que Adão queria dizer, então, com o "serão uma só carne", dito também antes da queda? O sexo foi criado por Deus, justamente para funcionar dentro do matrimônio (que, desde a criação, já existia em uma forma natural, e com Cristo foi elevado a sacramento).

E o sexo não tem como finalidade apenas a procriação, mas também a demonstração de amor entre os esposos, como dizem vários documentos da Igreja. O que o homem não pode fazer é separar voluntariamente o aspecto unitivo e procriativo de forma artificial, com barreiras físicas e químicas. Dizer que "no ato sexual precisam estar presentes os aspectos unitivo e procriativo" não significa que de toda relação sexual tenha que vir um filho, e sim que o ato esteja aberto à possibilidade de uma nova vida, ainda que ela não venha a surgir por questões biológicas, do ciclo feminino, que independem da vontade dos esposos.

Ou seja, recomendo a Ferreira Gullar que, antes de passar vexame, procure se informar um pouquinho, já que essa muleta de "sei que o assunto é complicado" só engana mesmo quem quer ser enganado.

domingo, 29 de março de 2009

Talvez a maior canalhice cometida contra a Igreja no passado recente

O Jornal de Santa Catarina deste fim de semana tem uma entrevista pingue-pongue (formato de perguntas e respostas) com dom Angélico, bispo emérito de Blumenau, que está de malas prontas para deixar a cidade e voltar a viver em São Paulo. O texto completo está aqui. Parece que ele foi entrevistado por cinco pessoas, mas juntando os conhecimentos religiosos de todas elas não dá metade de qualquer um dos repórteres que estão fazendo comigo um curso online sobre cobertura de religião...

Depois de umas perguntas sobre o caso da menina de Recife, um tal Maicon dispara:

Maicon - Esse caso da menina é emblemático porque trouxe duas realidades. A outra é a questão da pedofilia e a violência que crianças de países de Terceiro Mundo e agora, da classe média também, sofrem de padrastos e pais. Temos também o problema da pedofilia na Igreja Católica. Um documentário da BBC em 2006 revelou a existência de um documento do Vaticano, Crimen Sollicitationis de 1962, que orientava bispos do mundo todo nos procedimentos com padres pedófilos. E essa orientação ia para transferência de paróquia e silenciamento. É verdade esse documento?
Dom Angélico diz que nunca ouviu falar de tal documento. Claro que não ouviu: é uma farsa da BBC (vamos fazer um concurso de significados para a sigla BBC?), que provavelmente é a maior canalhice já cometida pela imprensa contra a Igreja nos últimos anos, talvez até maior que as calúnias contra Pio XII. Existe um documento com esse nome? Sim, existe, e é de 1962 mesmo, como diz o entrevistador. Mas a informação correta acaba aí.

Que raios é "crimen sollicitationis"? Bastava o Maicon ir à Wikipedia para descobrir que não tem nada a ver com pedofilia: a expressão se refere ao ato de um padre se aproveitar da oportunidade de estar confessando um fiel para pedir favores sexuais. Embora seja verdade que o mesmo documento também citasse procedimentos para casos de pedofilia, eles estão longe de sugerir qualquer tipo de ação para encobrir o delito, muito menos em investigações policiais ou judiciais.

John Allen, mais conhecido aqui como o autor de Conclave, já tinha escrito sobre isso em 2003, antes do documentário da BBC - o que torna a canalhice dos britânicos ainda maior, não acham? Agora, que seis anos depois do texto de Allen, e três depois do documentário da BBC, ainda tenha jornalista brasileiro engolindo essa história é de arrepiar. Ou não?

quarta-feira, 25 de março de 2009

Por que não deixam Nossa Senhora em paz?

Hoje é festa da Anunciação, e até as flores que enfeitam altar sabem que nessas épocas é que proliferam todo tipo de "reportagem" sobre Jesus e outros personagens do Evangelho. Como estamos numa festa da Virgem, o Reinaldo Lopes, do G1, me comete o seguinte desatino:

Maria provavelmente teve outros filhos além de Jesus, dizem historiadores

O blog do Reinaldo Lopes não é ruim, muito pelo contrário (embora seja "discriminado" pelo G1, pois na página de blogs ele fica escondido na lateral, sem foto), mas bem que tinham me dito que algumas das matérias que ele escreve para essa seção Ciência da Fé são muito sem-noção.

Bom, Reinaldo diz o seguinte:

Meier explica que, ao longo da tradição cristã, teólogos e comentaristas do texto bíblico se dividiram basicamente entre duas posições, batizadas com expressões em latim. A primeira é a chamada "virginitas ante partum" (virgindade antes do parto), segundo o qual Maria permaneceu virgem até o nascimento de Jesus, tendo filhos biológicos com seu marido José mais tarde. A segunda, "virginitas post partum" (virgindade após o parto), postula que Maria não teve outros filhos e até que seu estado de virgem teria sido milagrosamente restaurado após o único parto.
Mas ao longo do texto ele não será capaz de enumerar sequer um "teólogo e comentarista do texto bíblico" que tenha defendido a ideia dos outros filhos biológicos antes dessa onda atual de "Jesus histórico". Todos os que são citados na reportagem são modernos. Então, "ao longo da tradição cristã" uma pinoia: essa teoria é moderníssima.

E o contexto dos Evangelhos reforça a impressão de que se tratam de irmãos de sangue, argumenta Meier. Os irmãos e a mãe de Jesus são sempre citados em conjunto. (grifo meu)
Ah, tá. E o que dizer das inúmeras referências que trazem a mãe de Jesus sozinha, sem os "irmãos" de Jesus? O menino perdido no Templo aos 12 anos, as bodas de Caná (quando Jesus já era bem grandinho), a própria crucifixão... que houve com os irmãos, deram no pé? E os "irmãos" de Jesus não haveriam de ter um papel proeminente na comunidade cristã primitiva, como Maria tinha? Por que eles não são mencionados nos Atos dos Apóstolos?

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Ah, sim, estou de férias, fora de Curitiba. Por isso o blog está meio largado. Infelizmente tem saído muita bobagem, tanto sobre dom José (assunto que já comentei aqui) quanto sobre a viagem do Papa à África (no entanto, não cheguei a perceber erros do tipo que seriam comentados aqui, só a babaquice habitual contra o Papa). Mas semana que vem estarei de volta ao trabalho.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Pelo visto estou precisando desenhar...

(post refeito às 21h45, graças ao comentário do Hugo)

... mas a CNBB realmente precisava dar uma colaborada. Será que eles não sabem como são meus colegas jornalistas?

Vejam esse vídeo do "Em cima da hora", acho que da Globonews:



A matéria que saiu no Jornal Nacional teve teor semelhante. Reparem que o âncora diz que "não foi excomungado nenhum envolvido no aborto". O título na página web diz também: "CNBB nega excomunhão de envolvidos em aborto de menina".

O fato é que, como diz dom Geraldo, dom José não excomungou ninguém. A excomunhão é automática, ele só declarou que a pena existia. Só que dizer que dom José não excomungou ninguém NÃO significa que os envolvidos não estejam excomungados, porque de fato estão. Faltou a CNBB deixar isso bem claro, porque do contrário parece que a conferência fica desmentindo dom José.

E outra coisa: quando esses manés vão entender que CNBB é Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e não "Confederação"?

Esse outro caso abaixo é um tanto curioso, pois a informação que circula nos sites até está correta, se levada ao pé da letra, mas dá a impressão totalmente oposta. Vejam essa matéria do BOL (obrigado ao Gustavo Bellan):

CNBB afirma que arcebispo de Olinda não excomungou envolvidos no aborto de criança em PE

Tecnicamente está correto. Mas o leitor comum vai pensar o quê? Que a CNBB está afirmando que dom José viajou na maionese ao declarar as excomunhões.

Na verdade, não sei qual a canalhice maior: se distorcer totalmente a informação como fez a Globo, ou dar a informação correta mas dando a entender outra coisa, como fez a Agência Brasil.

terça-feira, 10 de março de 2009

Um balanço do caso de Recife

Pois é, agora que já se passaram alguns dias de cobertura do caso da menina de Recife que foi praticamente forçada a fazer um aborto (todo mundo leu o relato do padre Edson, de Alagoinha, não leu?), dá para fazer um balanço dos principais erros cometidos pela imprensa no caso. Lembro que o objetivo desse blog não é rebater todo tipo de insanidade que tem sido dita ao longo desses dias -- para isso temos o Jorge Ferraz, por exemplo, que manda muito, mas muito bem. Pelo blog dele vocês podem chegar a outros que estão comentando o caso também.

Vocês podem ver aí do lado que eu estou totalmente solidário a dom José Cardoso Sobrinho. Ele tem feito e dito as coisas certas, embora eu possa ter algumas restrições ao modo como ele tem feito e dito as coisas certas. Na minha avaliação pessoal, faltou um pouco de jogo de cintura ao arcebispo. O caso demonstra de forma evidente a "tolerância" daqueles que não querem que a Igreja se meta em nada, mas agora acham que podem dar palpite em assuntos internos da Igreja; as feministas, essas estão descontroladas (como dizia aquela letra de funk), a julgar pelos desaforos e até ameaças que escrevem nos blogs de amigos meus. Como diz Philip Jenkins em um ótimo livro cuja leitura recomendo a todos, o anticatolicismo é realmente o último preconceito aceitável.

Mas vamos aos erros da imprensa.

O primeiro deles, e o mais evidente, é que o arcebispo efetivamente não excomungou ninguém. Ele simplesmente declarou uma pena que é prevista pela Igreja, por meio do Código de Direito Canônico. Ainda hoje ainda há reportagens dizendo que "dom José excomungou...". E não me venham dizer que isso é para simplificar o texto: é uma afirmação evidentemente falsa, e que por isso não devia estar em jornal ou site nenhum.

Já vi jornalista por aí dizendo que o padrasto pedófilo "escapou ileso" porque não foi excomungado. Isso é outra sandice. O sujeito está com o caminho muito bem pavimentado para o inferno. Se algum dia tiver oportunidade de entrar numa fila de comunhão, ela lhe será negada, a não ser que ele tenha se arrependido e confessado. O fato de ele não ter sido excomungado se explica pelo fato de pedofilia e estupro não estarem nos casos de excomunhão automática. Mas continuam sendo pecados mortais.

Embora não se trate de um erro sobre a Igreja, não posso deixar de lembrar que o aborto em caso de estupro ou risco de vida para a gestante não é "autorizado" pela lei. Continua sendo crime, só não tem punição. No entanto, não vejo uma reportagem que não afirme que o assassinato cometido tinha amparo legal.

É verdade que o festival de idiotice tem sido maior que o festival de erros propriamente dito, mas ainda assim os erros são sérios. E não duvido que estejam sendo passados adiante até por um jornal onde eu não gostaria que isso acontecesse...

terça-feira, 3 de março de 2009

Deu a louca no Feedburner

Faz umas semanas eu consegui configurar o Feedburner para oferecer avisos por e-mail de atualizações no blog. Claro que eu me cadastrei também, para testar o serviço. Faz alguns minutos recebi o aviso de duas "atualizações"... de julho do ano passado! Aconteceu com mais alguém?

De resto, aviso que estou de férias da Gazeta, e talvez o blog ganhe com isso: no resto do ano a prioridade acaba indo mesmo para o Tubo de Ensaio (que não posso atualizar quando não estou na redação -- regras do jornal). Mas estou aproveitando esses primeiros dias para, literalmente, botar a casa em ordem. É impressionante a quantidade de papel inútil que a gente acumula...

segunda-feira, 2 de março de 2009

Rótulos enganam

Quando Bento XVI foi eleito, entrevistei o teólogo Antônio Marchionni, que me disse uma coisa muito interessante: "não existe isso de 'conservador' ou 'liberal' na Igreja; existe é quem é fiel à doutrina e quem não é fiel à doutrina". Mesmo assim, os jornais continuam usando largamente os adjetivos. Bento XVI, o cardeal Arinze, o cardeal Pell, o cardeal Cañizares, não são meramente fiéis à doutrina: são "conservadores". Já o cardeal Martini, dom Tomás Balduíno, dom Pedro Casaldáliga, Hans Küng, não são hereges ou quase isso: são "liberais", como se fosse possível negar a doutrina em 11 de cada 10 palavras ditas e ainda assim permanecer católico. E, consequentemente, os adjetivos não são usados apenas para pessoas. O Opus Dei, por exemplo, é rotulado de "ultraconservador". Nunca vi ninguém explicar exatamente por que a Obra mereceria o "ultra", coisa que não fazem nem com o Papa. Paciência.

Mas agora Bento XVI pregou uma peça na mídia. Em janeiro ele trouxe para os holofotes a Sociedade São Pio X. "Minha nossa, os caras rezam missa em latim, criticam o Vaticano II, andam todos de batina. Como classificamos esses sujeitos?", devem ter pensado nas redações. E agora contam-se aos montes as reportagens que chamam a SSPX de "ultraconservadora". Mas peraí, "ultraconservador" não é o Opus Dei? E olha que os padres do Opus Dei celebram só no rito novo, não criticam o Vaticano II... será que agora a Obra será apenas "superconservadora", em vez de "ultra"?

Eis a prova definitiva de que esse tipo de rótulo não tem a menor conexão com a realidade...

Um bispo católico precisa de nosso apoio

E quando eu digo "católico", não é simplesmente por pertencer à Igreja, mas sim por ser verdadeiramente católico.

Como praticamente todos vocês devem saber, dom Aldo Pagotto, arcebispo da Paraíba, vem levando paulada de todo lado porque fez a coisa certa: suspendeu um padre que divide sua lealdade entre Deus e o diabo (em forma de partido político, no caso o abortista PT). Aliás, parece que ele tende mais é para o diabo, a julgar pelas coisas que defende e que motivaram a suspensão -- como se já não estivesse proibido, pelo Código de Direito Canônico, de exercer mandato eletivo.

Pois bem, depois disso diversas entidades passaram a criticar o bispo. Se bem que basta ver quem está malhando dom Aldo (a Gaystapo, o PT, dom Tomás Balduíno) para concluir que ele tem mesmo razão. Mas não basta sabermos que dom Aldo tem razão: precisamos mostrar que os católicos estão a seu lado. Peço aos colegas blogueiros que coloquem banners de apoio ao arcebispo, como esse que está aí do lado. Vamos criar na internet uma rede de solidariedade ao bispo. Claro que meus colegas da mídia não vão se interessar por isso, mas o importante é fazermos nossa parte. Mãos à obra!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

OK, não é assim uma discussão forte no Brasil...

... afinal, você sabe que dia é hoje (além de aniversário do Jorge Ferraz)? Em boa parte do mundo ocidental, apaixonados estão trocando bilhetinhos e presentes, pois é dia de São Valentim, que o comércio transformou em Valentine's Day, sem o "St." que remeteria a essas "coisas de católico". Aqui ninguém está nem aí porque os namorados comemoram em 12 de junho e os não-comprometidos pedem por um par a Santo Antônio.

Mas na Inglaterra a Igreja resolveu lembrar as pessoas que o santo padroeiro dos encontros felizes é o arcanjo São Rafael, e não São Valentim, que protegeria os casais já formados.

São Rafael num vitral da igreja de St. Margaret em Rottingdean.

Aí a BBC, atenta como sempre às coisas da Igreja, sempre pronta a cometer uma bobagem, escreve sobre o assunto e me solta o seguinte (negrito meu):

St Raphael, according to legend, helped Tobias enter into marriage with Sarah, who had seen seven previous bridegrooms perish on the eve of their weddings.
Na boa: "lenda" o %&@#$*}!@%! É de acordo com a Bíblia!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

De que adianta saber o que é uma indulgência...

... se na hora de fazer a matéria o sujeito comete outras barbaridades?

O Wagner me mostra matéria do NYT republicada pela Folha de S.Paulo desta quarta. Infelizmente na internet está só para assinante.

Indulgência volta à voga na Igreja Católica
Verdade que a gravata, linha fina, chamem como quiser, dá calafrios:

Para atrair fiéis ao confessionário, Bento 16 aumenta oferta de perdão dos pecados, restituída por antecessor
Sabemos que indulgência não é perdão dos pecados, e sim remissão da pena temporal. Curiosamente isso vai muito bem explicado na reportagem. Então como conseguem cometer um negócio desses logo após o título?

Mas parece que explicar corretamente o que é uma indulgência é o único mérito do texto. O resto é uma palhaçada só. Por exemplo:

Como a missa em latim e as sextas-feiras sem carne, a indulgência foi uma das tradições separadas da prática da maioria católica nos anos 60 pelo Concílio Vaticano 2º
Não, não adianta você ir aos documentos do Vaticano II. Lá você não encontrará nada sobre acabar com a missa em latim, a abstinência das sextas-feiras (ela ainda existe, sabiam?) e as indulgências. Acho que deve haver uma regra nas redações. Se o jornalista não sabe por que algo mudou no mundo católico, coloca a culpa no Vaticano II. Hoje as casulas góticas são mais usadas? "Deve ter sido coisa do Vaticano II", pensa o repórter. Temos padres cantores? "Humm, acho que foram incentivados pelo Concílio", dirá ele.

Na verdade as indulgências nunca deixaram de existir. Podem ter sumido do conhecimento comum dos católicos, mas a Igreja sempre as ofereceu. É o que o bispo DiMarzio (nome bonito) vai afirmar lá no fim da matéria, mas parece que o jornalista só se preocupou em copiar as aspas, e não em verificar se o que o bispo diz bate com o resto da matéria.

Há indulgências parciais, que reduzem o tempo de purgatório por determinado número de dias ou anos
Havia. Isso foi abolido (a medição em tempo humano, não a indulgência parcial) já faz um tempo.

Não se podem comprar indulgências -a igreja proibiu a venda em 1567
Opa! De onde saiu isso? Que eu saiba a Igreja nunca permitiu venda de indulgências...

"As confissões vêm diminuindo há anos, e a igreja está muito preocupada com isso", disse o jesuíta Tom Reese, ex-editor do semanário "Catholic Magazine America". Numa cultura secularizada de psicologia pop e autoajuda, disse ele, "a igreja quer pôr a ideia do "pecado pessoal" de volta na equação. As indulgências são uma maneira de lembrar aos fiéis a importância da penitência". "A boa notícia é que não as vendemos mais", acrescentou.
Lendo essa asneira em negrito, não me surpreende que, assim que Bento XVI foi eleito, uma das primeiras cabeças a rolar não tenha sido na Cúria, e sim na revista America: justamente a cabeça do padre Reese...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Efe ordena bispos sem autorização papal

Saiu no site do Estadão:

Lefebvriano diz que Concílio Vaticano II foi uma 'heresia'
Abrahamowicz, um dos quatro bispos aos quais o papa retirou a excomunhão, disse que Concílio 'foi uma droga'

Só avisando o pessoal da Agência Efe (e, por extensão, do Estadão) que Floriano Abrahamowicz não é bispo, e nem foi "desexcomungado" pelo Papa. Os quatro bispos são Bernard Fellay, Richard Williamson, Alfonso Galarreta e Tissier de Mallerais.

O pessoal da Efe devia saber que ordenar bispos sem autorização do Papa dá excomunhão automática. Se bem que, do jeito que eles sacaneiam a Igreja, já devem estar nessa situação faz muito tempo...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Papa vai revogar a revogação?

É isso que o Jornal da Globo de ontem deu a entender na reportagem sobre o ultimato do Vaticano ao bispo Richard Williamson, da Sociedade de São Pio X. Que, se ele não retratasse de suas declarações revisionistas, não seria "desexcomungado".

Aqui vamos deixar uma coisa clara: Richard Williamson teve sua excomunhão levantada, assim como os outros três bispos. Isso é fato. Significa que agora ele pode receber os sacramentos. Mas tanto ele quanto os outros três ainda estão suspensos, ou seja, não podem celebrar os sacramentos licitamente. Claro que, se celebrarem missa, se ordenarem padres, serão sacramentos válidos (haverá transubstanciação, os ordenados se tornarão mesmo sacerdotes), mas ilícitos porque feitos sem a autorização de quem de direito.

Então, Williamson e os outros três ainda não estão plenamente integrados à Igreja; para isso eles ainda precisam de várias etapas de regularização, especialmente um título. Explico: todo bispo (exceto os aposentados) precisa estar "à frente" de alguma diocese. Dom Moacyr é bispo de Curitiba; dom Odilo, de São Paulo. Mas e os auxiliares, ou os bispos que trabalham na Cúria, ou são superiores de alguma ordem? Eles recebem o título (por isso são chamados "bispos titulares") de alguma diocese que existiu em priscas eras e acabou extinta por quaisquer circunstâncias. Dom João Seneme, por exemplo, é auxiliar de Curitiba e titular de Albulae, que fica na Mauritânia. Dom Fernando Rifan é administrador apostólico dos padres de Campos e titular de Cedamusa, que também ficava na Mauritânia. Dom Javier Echevarría é prelado do Opus Dei e titular de Cilibia, no norte da África. Pois bem, é altamente provável que os bispos da SSPX também ganhem, cada um, uma diocese dessas.

Mas e se Williamson não se retratar? Das duas uma: ou ele não ganha título nenhum, e fica numa espécie de "limbo episcopal", ou até ganha um título, mas fica encostado por aí, tipo um Jacques Gaillot da vida, sem fazer nada de útil na Igreja. Mas "reexcomungado" ele não será. A não ser que ele resolva criar seu cisma particular.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A pressa é inimiga da perfeição, diz o ditado

Das grandes agências internacionais, a France Presse parece ser a primeira a perceber os fortes rumores sobre uma atitude do Papa em relação à excomunhão dos bispos da Fraternidade São Pio X, um grupo cismático fundado pelo falecido arcebispo Marcel Lefebvre e que celebra exclusivamente a missa tridentina. Em 1988, Lefebvre e o bispo brasileiro Antonio de Castro Mayer ordenaram, sem autorização do Papa, quatro bispos. O ato dava excomunhão automática, que foi confirmada por João Paulo II no motu proprio Ecclesia Dei.

O texto da France Presse já foi republicado por várias fontes online, como o Último Segundo. Exceto o problema um pouco óbvio de dar como certo algo que ainda não está confirmado (eu sei, o Andrea Tornielli é muito bem informado, mas tem coisas em que é melhor dar uma de São Tomé), a matéria tem outras imprecisões:


O decreto já teria sido assinado pelo Sumo Pontífice, de acordo com o jornal. O texto suprime a excomunhão para os quatro bispos ordenados pelo monsenhor Lefebvre, entre eles seu sucessor Bernard Fellay.
Um detalhe que pode (e certamente vai) passar despercebido pela grande imprensa é que existe uma diferença entre anular uma excomunhão e declarar sua nulidade. Anular significa que houve excomunhão e que agora ela foi retirada. Declarar nulidade significa dizer que a excomunhão, na verdade, nunca ocorreu. E a verdade é que ninguém sabe com certeza se Bento XVI vai anular as excomunhões ou declará-las nulas (se é que vai fazer alguma coisa)


Anular a excomunhão constitui um passo importante para a reconciliação com o movimento tradicionalista e dogmático
Como assim "dogmático"? O que a AFP quis dizer com isso?


que tem 460 padres espalhados por quase 50 países e tem sua maior comunidade na América Latina, em particular na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e República Dominicana.
Eu podia jurar que as maiores comunidades da SSPX estavam na França e nos Estados Unidos. Talvez juntando a América Latina toda o número fique maior, mas se considerarmos países, acho que minha impressão se confirma.

(corrigido em 26/1) A AFP não menciona que há alguns anos os tradicionalistas brasileiros, reunidos em torno de dom Antonio de Castro Mayer, um dos bispos excomungados em 1988, se entenderam com Roma, tornando-se a Administração Apostólica São João Maria Vianney.

Desde o início de seu pontificado em 2005, Bento XVI fez vários gestos de abertura em direção ao movimento católico fundado pelo arcebispo francês, entre eles a introdução em julho de 2007 da missa em latim, uma exigência dos 'lefebvristas'.
Mas de novo? Para informação da AFP, a missa nova, do missal de 1969, também é em latim. O que existe é autorização do Vaticano para cada país celebrar em seu próprio idioma, mas a língua padrão da liturgia católica ainda é o latim. O que a AFP quis dizer é "missa tridentina", rezada segundo o missal de 1962, e que é rezada exclusivamente em latim, com apenas algumas partes em vernáculo.

Além disso, a missa tridentina não foi "introduzida" em 2007. Apenas houve uma permissão universal para sua celebração. Antes disso, dependia de cada bispo permitir ou não a missa tridentina em suas dioceses. Agora, qualquer padre pode rezar segundo o missal de 1962 sem depender de autorização episcopal.


Em junho do ano passado, o Vaticano abriu mão de exigir dos adeptos de Lefebvre, reunidos na Fraternidade de São Pio X, fundada em 1969 em Econe (Suíça) pelo monsenhor Lefebvre, o reconhecimento das disposições do Concílio Vaticano II, celebrado entre 1962 e 1965 e que modernizou a Igreja.
De onde saiu isso? Nunca ouvi nada semelhante, e olha que eu acompanho as notícias sobre a Igreja... se tivesse havido algo semelhante, a SSPX teria sido a primeira a trombetear a notícia por todo canto.

De qualquer modo, aguardemos o que vem por aí. O boato mais forte diz que o anúncio seria feito domingo. Apostas?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Novidade tecnológica no blog

Seguindo sugestão da Julie, adicionei o FeedBurner no blog (primeiro tive que descobrir o que raios era FeedBurner). Agora você pode ser avisado por e-mail quando o blog for atualizado, basta colocar o seu endereço na caixinha que está logo abaixo da imagem de Santa Catarina de Sena. As atualizações estão programadas para chegar à noite.

Com certeza o tal do FeedBurner deve ter muito mais recursos tecnológicos que isso, mas eu sou meio lerdo com essas novidades. Já fiquem contentes de eu ter conseguido colocar a janelinha aí do lado.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Agência Estado canoniza a irmã Lindalva

Hoje vários jornais, inclusive a Gazeta do Povo, deram a notícia de que o Vaticano está para declarar irmã Dulce "venerável". Como por algum motivo não acho a notícia no site da Gazeta, vai o link do Último Segundo mesmo. O texto é igual, exceto por um pequeno pormenor que conta a favor do US (vejam mais abaixo).

A gente começa a ler e pensa "puxa vida, olha só, eles estão se preocupando em descrever direitinho o processo", afinal dizem que a declaração de "venerável" é o penúltimo passo antes da canonização, e que a beatificação é o último passo. Mas da metade pra frente a coisa degringola:


Com o título de venerável, a baiana é reconhecida pelo Vaticano como uma serva de Deus (beata) que teve a vida pautada por realizações em benefício do próximo.
Lá no Último Segundo o camarada que colou esse texto no sistema interno deve entender de religião, porque removeu o (beata) -- justamente a parte problemática, pois, como sabemos, "servo de Deus" é uma coisa, "beato" é outra. Beato é quem foi beatificado.

Mas o pior está por vir:


Como venerável, o Vaticano dá sinais positivos para que ela se torne santa, como aconteceu com a Irmã Lindalva (canonizada em 2007).
Não sei se os parênteses foram obra da Agência Estado ou do padre Manuel, da Arquidiocese de Salvador. De qualquer maneira, Lindalva foi beatificada em 2007, e não canonizada. É o tipo de coisa que devia causar estranhamento no repórter, ou no editor, pois só o Papa canoniza, e em 2007 ele esteve aqui pra canonizar Santo Antônio de Sant'Anna Galvão, e não a irmã Lindalva.

Será demais exigir que os jornalistas saibam que só o Papa pode canonizar?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

E olhem que a Semana Santa ainda está longe...

... mas o Luís Milman, doutor em Filosofia e professor da UFRGS, já acha que pode falar do que não entende. Tudo bem que ele escreveu um artigo muito legal sobre o Obama hoje na Gazeta do Povo, que no blog dele ficam desmascaradas todas as palhaçadas da mídia sobre a guerra em Gaza, mas a julgar pelo que ele publicou anteontem, devia se limitar à política...

Vamos lá: o texto dele se chama Bento XVI e a Oração pelos Judeus. O tema é a oração da Sexta-Feira Santa pela conversão dos judeus no rito tridentino.

É preciso lembrar que a oração pelos judeus é parte da liturgia da Sexta-Feira Santa há muito tempo, e não foi abolida nem pelo Concílio Vaticano II, nem pela reforma litúrgica de 1969. O que aconteceu foi uma mudança nas palavras da oração.

Até 1959, rezava-se pelos "pérfidos judeus". Vocês sabem que, em português, "pérfido" tem uma conotação negativa, assim como em outras línguas modernas. Mas em 1959 rezava-se apenas em latim, então é necessário que se busque o significado latino da expressão. E, em latim, "pérfido" tem o significado principal de "sem fé" - o que, devemos reconhecer, corresponde à realidade, já que os judeus não reconhecem Cristo como o Messias.

Mas em 1959 João XXIII mudou a oração e retirou o adjetivo. Isso quer dizer que, se o missal tridentino usado atualmente é o de 1962, ele já não traz a expressão. Ou seja, um dos motivos de gritaria simplesmente não existe. Um trecho da oração do missal de 1962 dizia:

[Deus] elimine a cegueira deste povo para que, reconhecida a verdade de sua luz, que é o Cristo, saiam das trevas.
Em 2008, Bento XVI modificou especificamente esta oração pelos judeus, que ficou assim (traduzida em português, porque ela continuará a ser rezada em latim):

Oremus et pro Iudaeis (Rezemos pelos judeus)

Que o Deus nosso Senhor ilumine seus corações para que reconheçam Jesus Cristo, Salvador de todos os homens. Deus onipotente e eterno, vós que quereis que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade, concedei que, entrando a plenitude dos povos em cossa Igreja, todo Israel seja salvo.
Então, nós temos quatro orações pelos judeus. Cuidado pra não se perder:
1. a oração tridentina, pré-1959, que falava dos "pérfidos judeus";
2. a oração tridentina, pós-1959, modificada por João XXIII, que não tem mais o "pérfidos", mas fala da "cegueira";
3. a oração tridentina, modificada por Bento XVI em 2008, a do "todo Israel seja salvo". Lembro que essa é a oração que está valendo para os fiéis adeptos da liturgia tridentina;
4. e, por fim, a oração pelos judeus no rito novo, que diz:

Oremos pelos judeus, aos quais o Senhor Nosso Deus falou em primeiro lugar, a fim de que cresçam na fidelidade de sua aliança e no amor do seu nome. Deus eterno e todo-poderoso, que fizestes vossas promessas a Abraão e seus descendentes, escutai as preces da vossa Igreja. Que o povo da primitiva aliança mereça alcançar a plenitude da vossa redenção. Por Cristo nosso Senhor.
Resolvido esse problema, sigamos em frente. Milman diz com todas as letras que a oração tridentina em vigor atualmente (3) não é antissemita. Ele diz que as orações anteriores (1 e 2) o eram. Não acho que sejam. Antissemitismo é uma discriminação de raça, e não de religião. Mas de qualquer maneira, como essas duas orações já estão fora dos livros, não precisamos discutir aqui sobre elas.

Mas os rabinos não gostaram sequer da oração (3). Sinceramente, aí não é problema nosso. Na verdade, a oração (3) não é muito diferente da oração (4), pois ambas pedem a conversão dos judeus (o que vocês acham que "plenitude da salvação" significa?). Talvez os rabinos não gostem da (4) também.

Milman continua:

É de se questionar: quais foram as razões do Papa Bento XVI - que pertenceu à Juventude Hitlerista - para tê-lo reintroduzido?
Enquanto Ratzinger for vivo, sempre haverá alguém para retomar essa babaquice de Juventude Hitlerista. Precisamos lembrar que a filiação à Hitlerjugend era obrigatória na época em que Ratzinger era adolescente, e que sem ela os meninos tinham problemas? Milman, leia a autobiografia do Ratzinger e você descobrirá que a família do Papa era totalmente antinazista.

E de que "reintrodução" Milman fala? Da oração pelos judeus? Mas sempre houve oração pelos judeus! Milman fala como se a Igreja tivesse deixado de rezar pelos judeus na Sexta-Feira Santa por alguns anos, e então pum!, Bento XVI, o Papa alemão, vem e reintroduz uma oração...

O que Bento XVI realmente fez?
1. permitiu a utilização universal do missal tridentino de 1962. Bom, lá havia uma oração pelos judeus, rezada uma vez por ano. Assim como há diversas outras orações. Não dava para o Papa reintegrar um missal inteiro e dizer "restauramos tudo, menos essa oração pelos judeus. Vai ficar sem nada no lugar".
2. Substituiu a oração que Milman considera antissemita (a 2) por uma que Milman não considera antissemita (a 3)!

A decisão de Bento XVI contraria a orientação conciliar do Vaticano II, segundo a qual a Igreja e todos os católicos devem lutar pela liberdade religiosa e promovê-la, pois a liberdade de religião expressa a liberdade de consciência.
Milman leu (será que leu mesmo?) a Dignitatis Humanae e entendeu errado. Liberdade de consciência significa que ninguém pode ser forçado a aderir a uma religião contra a sua vontade. Liberdade de consciência não significa renunciar à evangelização, ou renunciar à pretensão de ter a plenitude da verdade. Aliás, o Concílio Vaticano II diz, mais de uma vez, que a Igreja é necessária para a salvação.

Sua preocupação com os judeus é intempestiva.
Por quê? Bento XVI não mandou substituir uma oração antissemita por uma oração que não é antissemita? Isso não é bom?

Não me aprofundo no tema doutrinário
Percebe-se.

Não há porque fazer retornar, a um Missal, uma prédiga tópica que pede pela salvação de Israel (sic).
A Igreja pede pela salvação de todo mundo. Inclusive, a oração da Sexta-Feira Santa, além de pedir pelos judeus, pede também por quem não acredita em Cristo, por quem não acredita em Deus... queria que Milman respondesse: é errado rezar pela salvação dos outros? E lembro que não tem nada "retornando" ao Missal como se algum dia não tivesse estado lá: a oração pelos judeus faz parte da liturgia há uns bons séculos, e nunca foi interrompida.

Esse passo do Papa preocupa
Que passo? Substituir uma oração antissemita (na opinião de Milman) por uma oração que não é antissemita (também na opinião de Milman)?

Bento XVI não é antissemita, estou certo disto. Mas a recuperação da Oração pelos Judeus desperta uma discussão que não aproxima judeus e católicos.
Mais uma vez Milman insiste numa "recuperação" que não houve.

Seria bom para todos que Bento XVI fizessse esforços diplomáticos no sentido de conseguir uma reaproximação com interlocutores judeus, sem enfatizar a profissão de fé que julga a fé dos outros. João XXIII certamente teria agido deste modo.
Milman acha que pode adivinhar como João XXIII teria agido... pois bem, a gente sabe como João XXIII efetivamente agiu: deixou no Missal uma oração (antissemita, segundo Milman) que falava da "cegueira" do povo judeu e pedia que Deus "retirasse o véu que cobre seus corações".

Conheço gente que ficará desapontada...

domingo, 4 de janeiro de 2009

O Rodolfo tinha razão...

... quando me aconselhou a não subestimar os meus colegas neste fim de ano. Meus pais assinam a IstoÉ, e só agora eu tive a chance de ver a matéria publicada na edição de 24 de dezembro, sobre o cotidiano de Nossa Senhora.


Eu sinceramente gostaria de saber quem é o editor dessa área onde trabalha o tal João Lóes. Porque, aqui na Gazeta do Povo, onde trabalho, nós, editores, não aceitamos reportagens que tragam uma série de afirmações simplesmente sem fonte alguma! Vejam essa série impressionante:

Sabe-se que ela era uma dona-de-casa judia que morava na vila de Nazaré, na Galiléia, povoado colonizado pelos romanos. Criava galinhas no fundo do quintal e acordava com o barulho delas, ainda de madrugada, para iniciar suas atividades domésticas. Vivia em condições muito simples. Dormia em uma esteira, num chão de terra batida sobre a palha, numa casa que cheirava a óleo queimado, proveniente de uma lamparina que ela mantinha acesa, acomodada em uma cavidade na parede. Vestia o mesmo traje, independentemente da ocasião: uma túnica de linho, com a qual realizava seus afazeres ou saía para alguma atividade, sem esquecer de colocar o véu, em respeito ao marido. Era uma mãe zelosa e dedicada, que sempre tentou manter o filho próximo de si. Durante a infância de Jesus, gostava que o garoto ajudasse o pai, José, na oficina. Caso não houvesse trabalho, ela recrutava a criança para ajudar nas tarefas domésticas, como fazer farinha de cevada, buscar água na fonte e limpar a casa, que só tinha um cômodo.
Apesar de nunca esquecer que estava criando o filho de Deus, o Messias, nascido para salvar os homens, ela não se intimidava em recriminá-lo. E o fez diversas vezes durante toda a sua vida. Ralhava em público com o menino, principalmente depois que ele desenvolveu o hábito de dar umas escapadas para o templo, a partir dos 12 anos. (...) Também há relatos de discussões entre mãe e filho, quando Jesus era jovem e ainda não havia saído em pregação. Num primeiro momento, ele se levantava e saía, deixando a mãe falando sozinha, mas Maria o chamava aos gritos e ele voltava atrás.


Então tá. Quem disse isso? Está escrito onde? De tudo isso aí, a "escapada" (no singular) aos 12 anos é a única afirmação comprovável pelos Evangelhos. Mais tarde, na matéria, o repórter citará os evangelhos apócrifos, mas menciona nominalmente apenas o de Tiago. O problema é que esse apócrifo, como a própria matéria diz, vai apenas até o nascimento de Cristo, ou seja, não poderia ser a fonte de vários dos trechos citados acima. Entendam: boa parte disso tudo pode até ser verdade, mas em jornalismo a gente não tira esse tipo de coisa do nada; precisamos dar a fonte. Há estudos mostrando que os judeus da classe social da Maria dormiam em esteiras no chão? Ótimo, mas então o repórter precisa dizer no mínimo quem fez a pesquisa.

Como em toda matéria que se preze sobre Maria, não podia faltar o lance dos "irmãos de Jesus":

Contrariando o discurso oficial católico, muitos estudiosos garantem que ela teve outros filhos com José
"Muitos estudiosos" é muleta de jornalista incompetente. Que estudiosos? Queremos nomes e instituições a que pertencem, para sabermos se têm alguma representatividade. Além disso, já foi explicado tantas vezes que o vocabulário do idioma de Jesus tinha apenas uma palavra para designar vários membros da família que é preciso ser muito cara-de-pau para continuar trazendo à tona essa questão. Claro que o repórter não foi atrás de nenhum teólogo que pudesse dar a versão ortodoxa para essa questão, não é mesmo? Porque desse jeito não teríamos a polêmica...

Resolução para 2009: esperar até meia-noite de 31 de dezembro para afirmar que essa ou aquela besteira "encerra o ano".

PS: a imagem é o mosaico da Mãe de Deus de Vladimir, na catedral de Santo Isaac, São Petersburgo, Rússia.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Para encerrar o ano, uma besteira monumental

Todo mundo já viu (até no Jornal Nacional!), todo mundo já leu que o Papa teria afirmado, no discurso de Natal à Cúria Romana, que "salvar gay é tão importante quanto salvar florestas", segundo a Reuters. O título caiu no gosto de editores em todo canto, pois foi reproduzido ipsis litteris pelo Estadão, pelo O Globo, pela BBC Brasil e sabe mais por quem...

Já posso até imaginar a Gaystapo (vi essa felicíssima expressão na internet, assim que eu lembrar o autor eu coloco aqui) organizando aquelas demonstrações de intolerância típicas do "pluralismo" atual: todo mundo quer que a Igreja seja tolerante, mas ninguém quer ser tolerante com a Igreja.

O Papa na reunião de ontem. Como é fácil botar palavras na boca do sucessor de Pedro... Foto Max Rossi/Reuters

Pois bem, o discurso do Papa está aqui, em italiano. Essa frase do Papa, segundo a qual "salvar gay é tão importante quanto salvar florestas", simplesmente não existe. Verdade que a Reuters não colocou isso entre aspas, mas o fato é que no discurso não há nada nem remotamente parecido com isso.

O que o Papa realmente disse?

As florestas tropicais merecem, sim, nossa proteção, mas não a merece menos o homem, como criatura.
A Reuters publica corretamente muitas das aspas do Papa, mas escorrega justamente no principal, que escolheu como manchete. Uma escolha absurda, feita apenas para chamar a atenção, sem compromisso nenhum com a verdade. O Papa diz que é importante salvar o homem - todos os homens, não apenas os gays - da autodestruição.

Na verdade, eu percorri o discurso todo e nele não existe uma menção qualquer à homossexualidade. O que o Papa faz é a defesa do casamento. A Reuters escreveu:

Ele afirmou que os comportamentos que vão além das relações heterossexuais são "a destruição do trabalho de Deus".
Mas o discurso afirma

Aqui se trata do fato da fé no Criador e na escuta da linguagem da criação, cujo desprezo seria uma autodestruição do homem e, assim, uma destruição da própria obra divina.
Enfim, a Reuters pega toda uma abordagem sobre o comportamento humano, a vontade de ser autosuficiente, o orgulho que faz o homem prescindir de Deus, e a reduz... a sexo. "Frangamente", como diz a Tamara, lá da comunidade Católicos do Orkut...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Madonna e o cardeal

Conta-nos a Folha Online, citando a agência italiana Ansa, que Madonna chegou ao Chile, e o cardeal Medina protestou, com razão.

Você, católico que acompanhou a eleição de Bento XVI, conhece o cardeal Medina Estevez, talvez só não saiba disso. Foi ele quem, de uma das sacadas da Basílica de São Pedro, pronunciou o Habemus Papam.


Eu me lembro muito bem disso...

Pois então, diz a Folha que Medina é "cardeal emérito". Isso não existe. Ninguém se aposenta do cargo de cardeal, e sim do posto de bispo. Medina é prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos (e não da Congregação para a Doutrina da Fé -- outro erro da Folha Online).

Embora eu tenha me metido numa tremenda discussão com um fake de Zorro no orkut por causa da Madonna, o cardeal tem toda a razão. Esperemos que os chilenos dêem ouvidos a ele. Será que rola o mesmo por aqui?

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O ex-ministro me dá um pretexto para voltar

Credo cruz, quase dois meses sem escrever nada... desculpem, leitores! Ocupado todo mundo é, então não tenho muita desculpa não, exceto talvez a manutenção do Tubo de Ensaio.

Mas o Reinaldo Azevedo, no seu blog, traz a entrevista que sai hoje no Estadão com o ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Sem entrar aqui nos méritos do que ele fez ou deixou de fazer durante o mandato do FHC, ele diz aqui uma grande, incrível, espetacular bobagem. A entravista é sobre cotas nas universidades, então coloco só o que interessa (não tenho link para o resto, é só para assinante).

Falando em Reinaldo Azevedo, olha só, o mestre e eu no lançamento do livro dele quarta-feira em Curitiba.

O sr. acha que existem raças entre os homens ou existe apenas a espécie humana, como define a moderna biologia?
Essa questão é muito mais para a antropologia do que para a política. Que todos são seres humanos, é óbvio. Mas também é óbvio que a própria Igreja Católica, há pouco mais de 100 anos, considerava os negros como animais. Isso nós não podemos desconhecer. Essa questão tem de ser tratada do ponto de vista objetivo. E objetivamente, no Brasil, é totalmente descabido nós esquecermos a questão racial, porque somos um país de grande miscigenação. É difícil achar um brasileiro que não tenha um componente de sangue branco ou negro.
Viram o itálico? OK, a entrevista é sobre educação, e não sobre a Igreja, mas será que o repórter não fica com a pulga atrás da orelha quando ouve um negócio desses? Não custa perguntar "mas, ministro, onde é que o senhor viu isso?" A não ser que essa história já tenha virado uma "verdade" goebbeliana (foi mal o neologismo, acho que vocês sabem do que estou falando).

Como comentei no blog do Reinaldo, no orkut eu e meus amigos já desafiamos dezenas de pessoas que passam pela comunidade que modero a trazer um, apenas um documento pontifício que afirmasse a ausência de alma nos negros. Nunca conseguiram. O máximo que trouxeram foram algumas bulas sobre escravidão, e nem lá se dizia o disparate que atribuem à Igreja. Engraçado é que, se os negros não tivessem alma, o que a Igreja estaria fazendo ao pregar para os negros e batizá-los? Ora, só se batiza quem tem alma...

Sabem o que é pior? É que a entrevista sai no jornal e provavelmente bispo nenhum, nem a CNBB, vão mandar uma cartinha de leitor contestando o ministro. Vai passar como verdade.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Aberta a temporada de caça a Paulo VI

A Humanae Vitae, talvez uma das mais famosas e menos compreendidas encíclicas da história da Igreja, fez 40 anos em 25 de julho.

Paulo VI recebe a tiara. Foi o último Papa a ser coroado, o que eu acho uma pena.

Engraçado que demorou para começarem a sair as bobagens sobre ela, mas no sábado o El País (é como o Chaves: tinha que ser) deu sua contribuição ao arsenal. Parece que estava só para assinantes no UOL, então coloco o texto todo aqui.

Papa insiste na proibição de anticoncepcionais para os católicos
Miguel Mora
Em Roma (Itália)

"Os anticoncepcionais que impedem a procriação desvirtuam o sentido último do casamento" - foi o que lembrou ontem o papa Bento 16 em uma mensagem enviada a um congresso sobre o 40º aniversário da Humanae Vitae, encíclica em que Paulo 6º proibiu o uso da pílula para os católicos.
Hm, os anticoncepcionais já estavam proibidos. Basta consultar o Denzinger para ver que a antiga Congregação do Santo Ofício recebia várias perguntas de bispos sobre contracepção e sempre dizia que ela era ilícita. A encíclica colocou o ponto final na questão.
Com pouco sucesso, porque, como assume Bento 16, "o mundo e também muitos fiéis têm dificuldades" para compreender a mensagem da Igreja, "que ilustra e defende a beleza do amor conjugal em sua manifestação natural". Esse amor entre os esposos, explicou o papa, tem um modo próprio de se comunicar: "gerar filhos". E "excluir essa dimensão comunicativa mediante uma ação que tente impedir a procriação significa negar (...) a verdade íntima desse amor".

Bento 16 admite, porém, que no "caminho do casal podem ocorrer circunstâncias graves que tornem prudente distanciar os nascimentos de filhos ou mesmo suspendê-los". Assim, salienta o papa, "o conhecimento dos ritmos naturais da fertilidade da mulher se transforma em fato importante para a vida dos cônjuges". Em outras palavras, o único anticoncepcional autorizado pela Igreja é o popularmente conhecido como "folhinha", que o papa define, de maneira muito mais culta, como "métodos de observação".
Deus do céu. O El País e o tradutor enlouqueceram. "Folhinha" não era o nome do suplemento infantil da Folha de S.Paulo? O nome popular disso que o tradutor chamou de "folhinha" é tabelinha!

Além do mais, ela não é o único método natural tolerado pela Igreja; existem vários outros, baseados em muco cervical, temperatura...
De cada cem mulheres que o utilizam, entre 14 e 24 ficam grávidas.
Tipo, é chutômetro ou tem algum estudo a respeito?
"É verdade", reflete Bento 16, "que a solução técnica aparece muitas vezes como a mais fácil também nas grandes questões humanas, mas na realidade esconde a questão de fundo, que tem a ver com o sentido da sexualidade humana e com a paternidade responsável, para que seu exercício possa ser a expressão do amor pessoal". E conclui: "A técnica não pode substituir o amadurecimento da liberdade, quando está em jogo o amor". Para terminar, o papa exorta os sacerdotes a pregar para os casais uma mensagem "que os oriente a entender com o coração o maravilhoso projeto que Deus inscreveu no corpo humano".
Pelo menos dessa vez os manés do El País colocaram extensas citações do Papa, o que nos dá algo de bom para ler, apesar das palhaçadas mais acima.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O lado falsíssimo do Veríssimo

E então, gente, todo mundo lendo o Tubo de Ensaio?

Outro dia, por ocasião da máquina do fim do mundo (aquele acelerador de partículas gigante), o Veríssimo escreveu um texto evocando Santo Agostinho e a curiosidade vã do homem. Deixei passar, pois não sei exatamente o que o santo de coração inquieto disse ou deixou de dizer. Mas hoje, bom, abro a Gazeta e vejo o seguinte, saído da pena do criador do Analista de Bagé:
para que os cristãos que lucrassem com juros não fossem condenados à danação eterna, inventou-se o Purgatório, de onde os pecadores saem sanados e recuperados para o céu.
Se o Veríssimo tivesse consultado a Enciclopédia Católica teria visto que, embora a doutrina sobre o Purgatório tenha se consolidado definitivamente no Concílio de Florença, a crença já era muito mais antiga, endossada pelos Padres da Igreja. Afinal, para que rezar pelos mortos se não houvesse mortos que precisassem das orações? Ora, os que estão no céu não precisam das nossas orações; os que estão no inferno, bom, não há oração que os tire de lá; então deveria haver mortos numa etapa de purificação para a qual as nossas orações seriam de proveito. Lógico, não?

Mas, claro, em vez de pesquisar é muito mais fácil acreditar na lenga-lenga que a gente leu em algum site protestante ou ateísta...

Nunca é demais uma chance de voltar à Divina Comédia. Aqui, no Purgatório, Dante conversa com o Papa Adriano V, colocado entre os avarentos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Inédito: aprenda a interpretar algo literalmente, mas como alegoria

Sim, a Reuters conseguiu o feito.

Vaticano aceita evolução, mas não se desculpa com Darwin

A certa altura do texto, vem o malabarismo interpretativo:
O criacionismo é a crença de que Deus teria criado o mundo em seis dias, como é descrito na Bíblia. A Igreja Católica interpreta a acepção do Genesis literalmente, dizendo que ela é uma alegoria para a maneira na qual Deus criou o mundo.
Como é possível que algo seja interpretado literalmente, mas como alegoria? Se a interpretação é literal, então é literal; se é alegórica, então é alegórica, ora bolas...

Editado quarta-feira, 17: A Folha mudou o texto, mas não deu um "Erramos", como seria esperado. Agora está assim:
O criacionismo é a crença de que Deus teria criado o mundo em seis dias, como é descrito na Bíblia. A Igreja Católica interpreta a acepção do Genesis como uma alegoria para a maneira na qual Deus criou o mundo.
OK, ponto para eles por consertar, mas zero por não fazer o conserto como uma errata.