sábado, 11 de abril de 2009

Peça de propaganda travestida de reportagem

A IstoÉ dessa semana chegou à casa de meus pais, onde estou passando a Páscoa, e traz uma reportagem sobre ordenação de mulheres:

Elas querem o sacerdócio

Basta passar os olhos pela matéria para ver que isso não é jornalismo; é propaganda pura. Eu pessoalmente acho que esse papo de "isenção" em muitos casos serve como muleta de jornalista preguiçoso e não me oponho a que um veículo de comunicação defenda certas ideias (como a IstoÉ defende neste caso) - mas nunca deve fazê-lo omitindo ou distorcendo informação.

Vejam que há uma falta de balanço gritante entre defensores e opositores da "ordenação feminina" (com direito a participação de dom Clemente Isnard, um que, se não tiver seu arrependimento final, tem passagem reservada para o círculo mais central do inferno dantesco, o dos traidores), e o único sujeito decente na matéria, o padre Juarez, ainda teve selecionada uma frase bem insossa. Certamente ele falou muito mais que isso, usou argumentos muito melhores, mas a revista seleciona uma frase inofensiva para não dar munição à tese contrária.

No entanto, uma das piores coisas da matéria é ignorar completamente a existência do documento Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, onde João Paulo II fecha a questão definitivamente ao declarar:

Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.
E a verdade é que qualquer reportagem sobre ordenação de mulheres na Igreja Católica que omita a existência deste documento está irremediavelmente falha.

Ainda assim, há outras falhas.

O direito de as mulheres exercerem o sacerdócio é um dos maiores e mais antigos tabus do catolicismo.
Hmmm, não, não é. Essa é uma discussão muito recente, e basta ver que praticamente nenhuma igreja ou comunidade eclesial cristã "ordenava" mulheres até há pouquíssimo tempo. A repórter, obviamente, não traz nenhuma prova de que essa discussão existisse antes do século XX, mas não tem vergonha de falar em "um dos mais antigos tabus do catolicismo".

Exceto a Igreja Católica, a maioria das religiões cristãs – que não têm uma autoridade centralizada – já supera a questão do gênero no sacerdócio.
Que eu saiba, a Igreja Católica não é a única a admitir apenas homens no clero. Os ortodoxos também agem assim, e até outras religiões não-cristãs. Por que a revista não vai encher o saco dos muçulmanos, por exemplo, que também não admitem mulheres entre as autoridades religiosas? Além disso, ainda que todas as outras religiões, igrejas, igrejolas e assemelhados do mundo admitissem mulheres no clero, isso não significa absolutamente nada...

Segundo levantamento do grupo Women Priests (Mulheres Sacerdotisas), oito em cada dez teólogos no mundo apoiam a ordenação de mulheres.
Taí uma pesquisa que eu gostaria de ver direito...

Os partidários da renovação católica acreditam que a ordenação de mulheres poderia ser uma solução para um dos maiores problemas da Igreja na atualidade – a crise de vocação. Segundo o anuário pontifício de 2009, a Instituição Católica conta com cinco mil bispos, 408 mil padres e 36 mil diáconos em todo o mundo. Em contraste, o número de religiosas chega a 810 mil.
Olha a falácia. OK, são duas vezes mais freiras que padres no mundo. Mas por acaso quantas dessas 810 mil religiosas gostariam de ser ordenadas? E se for uma pequena (embora barulhenta) minoria? Não resolveria o problema de forma alguma...

Ainda ganhamos, como brinde, um box chamado "As mulheres de Jesus", que diz

Marta o acompanhou durante a crucificação, enquanto muitos dos seus seguidores homens o abandonaram.
Hã? Marta, irmã de Maria e de Lázaro? Tipo, sejamos diretos: de onde a repórter tirou isso? Ela até podia estar lá mesmo, mas nenhum evangelho a menciona nominalmente. Além de propaganda, a IstoÉ agora está investindo em adivinhação?

4 comentários:

Elaine Gaspareto disse...

Olá!
Sempre que posso leio seu blog. E, como católica gostaria de emitir um comentário sobre este post. Penso que a minha opinião, assim como a sua de nada valem, não são importantes. O que importa é o documento que você cita, no qual o Papa Afirma, em nome da Igreja, que não haverá ordenação de mulheres na Igreja de Cristo. Ponto final. Se eu ou quem quer que seja não concorda, que deixe a Igreja ou mude de opinião pois a Igreja de Jesus Cristo não muda. E esta é a sua grande força e beleza...Todo o resto são nada.
Desculpe a veemência mas é que a gente lê tanta besteira, né?
Fique com Deus.

Anônimo disse...

Então vocÊ é jornalista! Tem grandes chances de escrever em defesa da Igreja nos meios de comunicação.

Alexandre Zabot disse...

Muito apropriado Marcio.
Sobre o "Ordinatio Sacerdotalis", a Wikipédia ( http://en.wikipedia.org/wiki/Ordinatio_Sacerdotalis ) está certa?

Não é dogma proclamado pelo papa, mas é uma verdade defendida pelo Magistério e, ainda que não valha como dogma para nós hoje, pode vir a ser no futuro?

Portanto, para todos os fins práticos, não há mais o que discutir. É isso?

liberdade de expressão disse...

Muito bom seu trabalho de crítica à imprensa.

http://liberdadedeexpressao.multiply.com