quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O lado falsíssimo do Veríssimo

E então, gente, todo mundo lendo o Tubo de Ensaio?

Outro dia, por ocasião da máquina do fim do mundo (aquele acelerador de partículas gigante), o Veríssimo escreveu um texto evocando Santo Agostinho e a curiosidade vã do homem. Deixei passar, pois não sei exatamente o que o santo de coração inquieto disse ou deixou de dizer. Mas hoje, bom, abro a Gazeta e vejo o seguinte, saído da pena do criador do Analista de Bagé:
para que os cristãos que lucrassem com juros não fossem condenados à danação eterna, inventou-se o Purgatório, de onde os pecadores saem sanados e recuperados para o céu.
Se o Veríssimo tivesse consultado a Enciclopédia Católica teria visto que, embora a doutrina sobre o Purgatório tenha se consolidado definitivamente no Concílio de Florença, a crença já era muito mais antiga, endossada pelos Padres da Igreja. Afinal, para que rezar pelos mortos se não houvesse mortos que precisassem das orações? Ora, os que estão no céu não precisam das nossas orações; os que estão no inferno, bom, não há oração que os tire de lá; então deveria haver mortos numa etapa de purificação para a qual as nossas orações seriam de proveito. Lógico, não?

Mas, claro, em vez de pesquisar é muito mais fácil acreditar na lenga-lenga que a gente leu em algum site protestante ou ateísta...

Nunca é demais uma chance de voltar à Divina Comédia. Aqui, no Purgatório, Dante conversa com o Papa Adriano V, colocado entre os avarentos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Inédito: aprenda a interpretar algo literalmente, mas como alegoria

Sim, a Reuters conseguiu o feito.

Vaticano aceita evolução, mas não se desculpa com Darwin

A certa altura do texto, vem o malabarismo interpretativo:
O criacionismo é a crença de que Deus teria criado o mundo em seis dias, como é descrito na Bíblia. A Igreja Católica interpreta a acepção do Genesis literalmente, dizendo que ela é uma alegoria para a maneira na qual Deus criou o mundo.
Como é possível que algo seja interpretado literalmente, mas como alegoria? Se a interpretação é literal, então é literal; se é alegórica, então é alegórica, ora bolas...

Editado quarta-feira, 17: A Folha mudou o texto, mas não deu um "Erramos", como seria esperado. Agora está assim:
O criacionismo é a crença de que Deus teria criado o mundo em seis dias, como é descrito na Bíblia. A Igreja Católica interpreta a acepção do Genesis como uma alegoria para a maneira na qual Deus criou o mundo.
OK, ponto para eles por consertar, mas zero por não fazer o conserto como uma errata.

sábado, 13 de setembro de 2008

Não é para deixar de ser doador de órgãos, gente!

Como vocês sabem, o Tubo de Ensaio entrou no ar semana passada e tem exigido um bom tempo. Isso me impediu de ver essa barbaridade cometida pela Ansa e passada adiante pelo Estadão:

Papa Bento XVI era doador de órgãos quando cardeal

O problema está na "linha fina":

Posição contraria declaração que 'morte cerebral' não pode mais ser parâmetro para definir o fim de uma vida
Na boa: o sujeito que escreveu isso tinha que estar muito, mas muito chapado. Ou ser muito, mas muito burro.

Primeiro, porque não houve declaração nenhuma, houve foi um artigo no jornal do Vaticano.

Segundo, porque o artigo não dizia que a "morte cerebral" não podia ser parâmetro. O que o artigo pede é que sejam reabertas as discussões para se saber quando exatamente ocorre a morte encefálica (não existe "morte cerebral" como terminologia médica).

Terceiro, porque ser doador de órgãos não é incompatível com coisa nenhuma. Nem com a doutrina católica, nem com o artigo da Lucetta Scaraffia. Se a pessoa está efetivamente morta, a doação de órgãos é altamente louvável. O problema que foi trazido à tona pelo L'Osservatore é o seguinte: por causa de uma aplicação equivocada do critério de morte cerebral, tem gente morrendo sem estar morta, digamos assim. Mais detalhes no Tubo de Ensaio.

Sério, difícil de acreditar que tenham cometido tamanha asneira. A Ansa está definitivamente caindo no meu conceito. E pensar que cheguei a mandar currículo pra eles quando morava em São Paulo...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tradutores traidores

Os italianos é que sabem das coisas: traduttore, tradittore, dizem. Foi bem o que aconteceu com um texto da Ansa reproduzido pelo Estadão, a propósito da campanha que a Igreja no México lançou contra o aborto (obrigado ao Fernando Tavolaro pelo alerta).

A certa altura, o texto afirma:
"A Igreja sempre seguirá pregando a defesa da vida desde sua concepção. Embora permita a convivência de pessoas do mesmo sexo, a Igreja continuará defendendo que o matrimônio seja entre um homem e uma mulher", comentou.
Opa! Como assim, a Igreja permite a convivência entre pessoas do mesmo sexo? O padre Demétrio Gomes foi procurar o original em espanhol e achou o seguinte:
La Iglesia siempre seguirá pregonando la defensa de la vida desde su concepción. Igualmente, aunque se permita la convivencia de gentes del mismo sexo, la Iglesia seguirá defendiendo que el matrimonio es entre hombre y mujer.
"Aunque se permita" significa "ainda que se permita". Quem permite? Não a Igreja, e sim o Estado, a Justiça, um terceiro qualquer. Ou seja, ainda que as leis civis permitam a união homossexual, a Igreja seguirá afirmando que o matrimônio existe só entre homem e mulher.

O Estadão pode argumentar que a culpa não foi deles, pois a tradução errada veio da própria Ansa.

Agora, a pergunta. Ninguém lê uma barbaridade dessa e acha esquisito? Minha nossa, editor não serve só para achar erro de gramática, ortografia e pontuação; para isso basta um revisor bem qualificado. Editor também serve para apontar incoerências, pedir ao repórter para verificar coisas que estão faltando, ou verificar informações que não batem. E, convenhamos, um cardeal dizer que a Igreja aceita a convivência entre homossexuais não bate. Falta desconfiômetro nas redações.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Novo blog

Aproveito para avisar a todos que estou com um novo blog, hospedado no portal da Gazeta do Povo, jornal onde trabalho. O Tubo de Ensaio tem como objetivo discutir a ligação entre ciência e religião -- como vocês podem ver, um tema bem polêmico! Espero as visitas e os comentários de todos por lá!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Mais uma da série "o Vaticano mudou isso, o Vaticano mudou aquilo..."

Bom, parece que já está havendo nova comoção global sobre um artigo que saiu no L'Osservatore de hoje sobre os critérios para se determinar a morte. Dei uma passeada pelos principais sites de notícia brasileiros e recolhi as seguintes manchetes:

Folha Online: Jornal do Vaticano diz que vida não acaba com morte cerebral

G1, igualzinho, pois a fonte também é a BBC: Jornal do Vaticano diz que vida não acaba com morte cerebral

No Terra, o texto é o mesmo, mas como eles sempre fazem questão de piorar as coisas, usaram um título horroroso: Vaticano diz que vida não acaba com morte cerebral

Curiosamente, no iG não tem nada.

Agora vejamos o que disse o chefe da Sala de Imprensa da Santa Sé:

(...) o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, disse que o texto publicado pelo jornal vaticano "é um interessante artigo assinado pela renomada senhora Lucetta Scaraffia, mas não pode ser considerado como uma posição do magistério da Igreja".

Pe. Lombardi recorda que se trata de "uma contribuição para a discussão e o aprofundamento", mas somente uma contribuição, ou seja,
não é uma posição da Doutrina Católica ou de qualquer organismo vaticano.

O diretor da Sala de Imprensa explica ainda que se trata de
um artigo, e não de um editorial do "L'Osservatore Romano", pois os editoriais podem ser atribuídos somente ao diretor do jornal, neste caso, a Gian Maria Vian.
Os negritos são meus. Comparem o que o padre Lombardi disse com o título do Terra. Agora é só esperar para ver quais dos jornalões brasileiros vão cair nessa.